sexta-feira, 29 de maio de 2015

Silêncio

Quero escrever um teatro que não diga. E que o silêncio ecoe nas entrelinhas. Aos poucos, me encolho, retraio, silencio. Alternativa que me resta. Pois foice baila a cada palavra dita.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

DESPEDIDA (TEMPO DE ESCOLA SALVADOR GORI)

Há três anos tive a oportunidade de retornar ao Tempo de Escola, e o fiz com uma postagem que ficou neste blog. Ela pode ser conferida clicando aqui. O texto era finalizado com um desejo: QUE SEJA LINDO!

Nem nos meus melhores sonhos eu imaginaria que seria LINDO COMO FOI. E a verdade é que estou até agora ainda tentando organizar os pensamentos e as ideias, o dia de hoje merece um texto à altura destes três anos. Tentarei então finalmente organizar o texto de forma mais poética a partir de agora.

Venho sendo apresentado, durante três anos, a uma nova qualidade de vida e de rotina: Enquanto alguns esperam as sextas e sábados, há outros dias que me encantam. Um desses dias é a quarta-feira. Meio da semana para alguns, para mim, "Quartas Fantásticas".  início de encontros potentes, de experiências estéticas, emotivas, dias de abraços, beijos na testa, de ouvir "eu te amo" com sinceridade assustadora, Para alguns, meio do caminho, para mim, começo, meio e fim. 

Foram dias e dias de suspirar sozinho ao dirigir meu carro, dia de emoções fortes, de carinho gratuito e verdadeiro, de ver gente se transformando verdadeiramente, de eu verdadeiramente me transformar. Vivi cenas dignas dos mais belos filmes, ouvi coisas que é difícil acreditar que saíram da boca de gente tão nova. Vivi tão intensamente estes três anos, foi uma troca tão intensa e eu amei tanto cada um. Alguns nomes passaram a ganhar significados mais fortes e valores afetivos nunca antes imaginados. Foram dias tão especiais, fantásticos.

Mas num desses temporais, numa dessas tempestades que chegam e varrem tudo o que foi construído, meu coração, um jardim florido, foi desflorado, a chuva deu no meio beleza construída, deixou a incerteza, o medo, a saudade mesmo antes de terminar.

E os abraços fortes de três anos, há três semanas estão sendo cada vez mais intensos. Após uma conversa sincera, uma dessas criaturinhas me diz: "Então é por isso que seu abraço está diferente. Você abraça a gente, respira fundo e quase não solta...". Vinha chegando a hora da despedida. De um até logo, talvez adeus, quem sabe.. E os abraços tinham quem ser mais aproveitados a partir de então. Sabe-se lá qual o que será do futuro.

Como educador, me vi na obrigação de ser honesto, de explicar o grau de incerteza que envolve o futuro, Afinal, é esta honestidade que sempre cobrei de cada um deles. Sempre acreditei que só posso cobrar o que eu mesmo faço. "Talvez seja o último ano. Não sei se estarei de volta e se estiver, não sei se com vocês, ninguém sabe...". E há três semanas já estamos nos despedindo. Tem sido uma transição dolorosa, mas madura e cheia de amor.

Acredito também na importância dos rituais, do abrir e do fechar de ciclo, da importância da alfabetização emocional. Alguns não gostam, preferem poupar as crianças de viver suas emoções. Escrevi um texto um dia dizendo que "a gente vive querendo poupar. E a fruta só vira poupa. Não cria casca...". É preciso também fazê-los entender que a vida é assim: Recomeço constante, e a despedida faz parte dela. Por quantas despedidas e transições eles não vão passar durante a vida? A escola em que eu acredito, também prepara para esses momentos. 

Muitos deles estão comigo durante todos os três anos. Uma fidelidade de dar inveja. Uma relação tão profunda e complexa que mesmo de longe um olhar e um gesto são capazes de comunicar um universo de discursos. E nestes três anos eles já são capazes de me conhecer o suficiente para saber que o último dia é sempre um dia especial. Já virou até piada do tipo "quarta que vem eu trago um balde de casa". Eles sabiam. Eu também sabia.

E embora soubesse, a gente se espanta com a força do momento. Ouvi coisas absurdas, as declarações de amor mais lindas, ditas com a voz embargada, abraços e soluços. "Você contou a história do seu professor Renato, VOCÊ É O MEU RENATO E EU NUNCA VOU TE ESQUECER PORQUE VOCÊ MUDOU MINHA VIDA". E quem me conhece, sabe a importância dele pra mim. É o meu herói, alguém de carne e osso que passou por minha vida e que até hoje, nos momentos mais difíceis, desce da nuvem onde mora e com sua história me ajuda a transformar um cenário ruim naquele jardim florido. O último dia, então, passa a ser uma celebração dos três anos que vivi ao lado daquelas pessoinhas. "EU ENTREI SÓ ESTE ANO, MAS POR CAUSA DESSE ANO EU SOU OUTRA PESSOA". O último dia passa a ser talvez o último dia.

Alguém fala do próximo ano e eu digo: "Caso alguém esteja no meu lugar, mostrem tudo o que aprenderam, porque eu não educo vocês para serem bons comigo, mas para serem bons lá fora. E jamais me comparem com quem estiver com vocês." E ouço uma resposta curta e significativa. " E dá pra comparar?". Lágrimas rolam. Meu Deus, o que é isso?

Finalmente as mãos que começaram marcando as minha camiseta na primeira aula do ano, escrevem nas luvas que representam as mãos que se transformaram, o que eles querem receber e o que querem dar para o resto da vida. A mão esquerda recebe, a direita dá. E como último exercício, as mãos desenham pelo espaço, mãos direitas encontram mãos esquerdas. Abraços, abraços, lágrimas, um pouco mais de conversa. O último beijo na testa, uma foto em grupo e uma foto com cada criança. Já é tradição. Cada um receberá a sua.

Acabou.

Foi assim que aconteceu. Foi assim que essas crianças entraram em minha vida e nunca mais saíram. Eu torço para que elas sigam curando o mundo, encontrando mãos que possam receber tudo o que elas têm para dar e que também elas possam encontrar o que precisam. Já tinha amado antes, mas a experiência que tive com essas turmas servem como a confirmação, o arremate final, o segredo da alquimia perfeita: um educador que ama e encontra olhares dispostos.

Agradeço imensamente a todos que estiveram comigo nesta jornada. À toda equipe, aos de hoje e de ontem, aos que acompanharam de perto e de longe, mas acima de tudo a cada criança com quem tive o privilégio de conviver durante este Tempo de Escola. Vocês mudaram minha vida, chegaram e tomaram meu coração de assalto. Eu amo vocês de uma forma tão intensa. Se algo próximo disso, for o sentimento de ser pai, não vejo a hora de ter filhos. Enquanto isso, peço licença aos pais de vocês para chamá-los de AMORES DA MINHA VIDA. OBRIGADO POR TEREM VIVIDO COMIGO ESSE TEMPO.

E hoje crio uma nova expressão para falar sobre o dia de hoje. Todas foram quartas fantásticas, mas esta será eternamente conhecida como a A QUARTA INESQUECÍVEL. \






domingo, 10 de novembro de 2013

Descrente, desiludido e desanimado

Nunca consegui fazer um diário. Muitas vezes quis em minha adolescência fazê-lo, mas esbarrava em dois problemas: 1: nunca fui muito caprichoso; 2: nunca tive muita disciplina. Com a vinda da internet e o aparecimento dos blogs, logo ingressei nesse mundo. Tive e tenho vários blogs. Este aqui, meu blog pessoal, mantenho-o desde o final de 2007. Antes havia outros que eu não sei onde foram parar. Chegaram então as redes sociais e o facebook tomou o espaço deles como o meio onde mais se publica informações pessoais e até eu costumo publicar mais coisas lá do que aqui. Sinto, porém, que para algumas coisas, o facebook não é a melhor das ferramentas pois expõe demais a vida e tudo o que é dito fica instantaneamente visível a todos. 

E às vezes sinto a necessidade de deixar algo registrado, quase de manter um diário. Vez por outra eu volto para reler e este espaço é o ideal para isso, pois o que posto aqui, não divulgo constantemente e só encontra quem o garimpa. Para desabafar é um lugar muito melhor do que a porta aberta que é o face. E certas vezes preciso desabafar, deixar organizado meu material e, ao mesmo tempo, evitar que muita gente leia. Poderia até deixar este blog fechado, mas também não é este o propósito. Não é que não quero que ninguém o leia. Quero que poucas pessoas o vejam. Quem escreve, mesmo que negue, sempre pressupõe um leitor, mas ás vezes prefiro deixar essas reflexões para aqueles que a procurarem. E vamos a elas:

Não ando bem, não ando num momento muito bom. O ano tem sido bastante positivo, embora ano ímpar (sempre tenho problemas com eles), mas recentemente, há mais ou menos uns 20 dias, as coisas, pelo que parece, deram uma bagunçada feia. Ando meio descrente de algumas pessoas, de mim mesmo e do trabalho que faço. Volto a pensar que talvez ele não tenha tanta importância assim. Por mais que eu me esforce, me estrague, estoure, parece que a maioria das pessoas simplesmente não se importa. Se eu parasse hoje com tudo, faria mesmo falta? Volto a pensar que não... Às vezes fico pensando que vivo uma mentira. Que o que prego e idealizo em meu trabalho é uma ilusão. Que o "Preciso de você.", "Pode contar comigo" é nada mais do que frase vazia, repetida sem sentido e valor.

Mas não posso parar... simplesmente não posso, infelizmente. E quando preciso ficar melhor, as coisas pioram.

Sei que muita gente acaba encontrando meu blog por pesquisar Mecânica Quântica e Ressonância Harmônica. Creio em tudo o que digo numa postagem anteriores, mas sou humano e nem sempre consigo manter toda a positividade. Fazer o quê?

Tudo o que queria era parar tudo neste exato momento. Parar com todos os ensaios, todos os projetos, todas as aulas e sumir para uma praia, para o meio do mato ou para dentro de uma caverna ou buraco. Mas se eu não posso, vou ficar aqui e seguir fazer o que é necessário, mesmo descrente, desiludido e desanimado.

Assim foi... 


domingo, 8 de setembro de 2013

Impressões: Antes que tudo se acabe

Fazer teatro é uma aventura incrível. É mergulhar nas ruínas de si mesmo, garimpar emoções, desejos, loucuras, desesperos, desnudar-se e vestir-se mil vezes. Encontrar um "eununcavisto". Ver teatro é nem sempre um deleite. Preciso confessar que por vezes entro em desespero vendo algo que me desagrada (que prefiro aqui não fazer juízo de valor). Muitas vezes me remexo na cadeira, conto refletores, pergunto-me "Mas que diabo estou fazendo aqui?", rezo para acabar e sofro com certas atuações, aquelas que também me desagradam, sofro porque torço sempre pelo ator e quando o vejo errando anseio ou que os erros cessem ou que se tornem impossíveis. E às vezes é só o fim de um espetáculo que põe fim às cagadas de um ator em dia ruim ou ruim por vários dias.

Mas bom mesmo é que nem sempre é assim. Há momentos em que a história contada te toma, o elenco te arrebata, as canções tocadas te embalam, a arte te atravessa e te toca do mais denso ao mais sutil dos corpos. Nesses dias, vale a pena ficar em silêncio, não comentar na hora, deixar a poeira assentar e refletir um pouco mais sobre o que se viu. Nós, gente de teatro, gostamos sempre de dizer algo sobre a peça dos colegas, tecer certa análise e suprir a expectativa e preencher a lacuna deixada pela pergunta de fim de espetáculo: "E aí, o que achou?"

Creio que nem sempre se é possível dizer o que se achou, se bom ou se ruim. Simplesmente porque a palavra só vai até certo limite. Há o que eu costumo chamar de barreira do indizível. Mas nós, gente de teatro, queremos sempre nos comunicar, dizer algo. Não me queiram mal por dizer isso. É da nossa natureza. Assim também sou. E motivado por uma das atrizes, cujos escritos pós apresentação tenho tido a oportunidade de acompanhar, resolvi escrever também, deixar meu "Olha só o que eu achei:"

E começo desde já adiantando o fim: Saí arrebatado, tomado, atravessado, levado à barreira do indizível, da qual tentarei teimosamente retornar para imprimir minhas modestas e carinhosas impressões sobre a Montagem de Formatura da Turma 49 de Teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul; vulgo Bagaceiras. 

Desde a fila de entrada, esticava meus olhos para dentro do Teatro Timochenco Wehbi a fim de ver como estava o já famoso "teatro em reforma", que muito deu o que falar, e muita inquietação, dor de cabeça e desespero deve ter causado em toda equipe. Entrei ainda observando cuidadosamente, cumprimentei um dos atores, morrendo de medo de desconcentrá-lo e logo deparei-me com Sérgio Azevedo, diretor do espetáculo, meu antigo professor, que recebeu-me com um abraço carinhoso acompanhado de uma frase ao pé do ouvido: "Bem vindo aos escombros..." 

Não tive a dimensão do que ouvia no exato momento. Apenas sentei em minha cadeira e contemplei a imagem daquele teatro onde passei tanto tempo da minha vida. Pela primeira vez o vi completamente nu. Percebi-o mais profundo e mergulhei profundamente em mim mesmo. Aos poucos, eu mesmo também seria desnudado. Eram os escombros de meu próprio ser. A história de um diretor falecido vinha sendo contada, costurada por cenas de textos clássicos, escolhidos pelas próprias atrizes e costurados magistralmente pelas mãos de Celso Correia Lopes, bordador de primeira. 

Pensei: "Minha nossa! Será que um dia meus alunos terão uma visão parecida de mim mesmo?" Vi naquele diretor descrito um pouco de cada diretor que tive e um pouco de mim mesmo refletido neles. Percebi como sou fruto da formação que tive e dos professores que me conduziram no caminho. E tive orgulho de tê-los conhecido, de ter sentido raiva, discordado, concordado e embarcado no que me propunham. Senti vontade de ter sido melhor aluno, ator mais preciso e mais dedicado às vezes. Lembranças e mais lembranças que brotavam daquele teatro em ruínas, fastasminhas camaradas e assombrações daquele palco me visitavam. Minha nossa!

Num teatro virado do avesso, vi toda uma Escola posta de ponta cabeça, quarenta e nove turmas, nem sei quantos alunos, histórias e memórias reviradas por um grupo de atores que também virou-se do avesso a fim de encontrar seu próprio chão, engolido pela draga do descaso pela arte, pelo profissional de arte, pela cultura e pela educação genuína (arte de qualidade). Coisas de gente que fica atrás de uma mesa a dar canetadas e que nada entende de gente.

Sempre digo que as dificuldades desse nosso fazer artístico tornam as vitórias ainda mais saborosas. Para a turma 49, a vitória vem não só do "conseguir finalmente apresentar", mas do poder que se evocou com as agruras de não se ter sequer local, data, e da única certeza de uma Não-estreia e uma Não-temporada há pouquíssimo tempo atrás. Evocou-se Dionísio e todas as outras divindades. Fantasmas daquele e de outros teatros lá estavam certamente, tal qual as 48 turmas antecessoras que também ali estavam.

Diz-se no programa que aquele espetáculo encerrava um ciclo da geração 40. Ledo engano. Encerra-se a meu ver um ciclo de 4 gerações. E mesmo que o teatro desabasse ao fim da temporada, dia 13 de Outubro (o que espero sinceramente que não ocorra), seria o fim mais lindo e mais poético que uma turma poderia dar a um teatro utilizado desde sabe lá quando e que na minha época, dizia-se que fora construído envolta do Seu Zé, antigo porteiro daquela época. É ciclo finalizado e aquelas paredes se manterão de pé, pela força e luta dos profissionais e alunos que ali estão. Novo ciclo se iniciará com a turma 50, com legado deixado por esse núcleo corajoso de cinco atrizes e um ator convidado generoso e cuidadoso com as colegas.

E a mim, uma série de reflexões e sons ainda ecoam aqui dentro. Acho que finalmente também concluí um ciclo. Hoje compreendo o legado e a importância da Fundação das Artes na minha vida. Legado e importância que muitas vezes reneguei, como um filho adolescente renega mãe e pai, mas que se arrepende e se redime depois de velho dizendo: "Hoje sou pai e posso te entender melhor. Me perdoe." Por tudo o que vi, por aquele palco desnudo, por toda a história revirada e por ver Marcella Silveira, uma atriz que vi nascer e com quem tive a honra de trabalhar, desabrochando lindamente e concluindo sua formação. Atriz que foi do Brinquedo Torto e que carinhosamente considero de certa forma "cria minha". Primeira atriz a passar pelo grupo que dirijo há cinco anos a concluir sua formação. Atriz com A maiúsculo, gigante, monstruosa e segura. Belíssimo trabalho que muito me orgulha e que me fazia olhar para ela com olhares de pai ao fim do espetáculo. Olhar de pai babão ao ver que a menininha cresceu. Orgulho maior. E aqui, finalmente atinjo a barreira do indizível. Não havendo mais o que se dizer, só o que sentir.

E como diria Shakespeare: "O resto é silêncio...". Final clichê, mas sincero e verdadeiro. 

domingo, 23 de junho de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 12

Sábado passado, dia 08 de Junho, aula 11: perdida por causa da minha mudança. Pior mudança da minha vida. Dureza total.

[Foi assim...]

Prólogo ou A Bagunça Interna e Externa que a mudança traz. (Já atrasado por causa da semana de manifestações)

Acordei cedo, banho quente, café na padoca e depois de duas semanas ausente (uma por causa do feriado) lá fui eu no caminho Av. do Estado, Vila Prudente, Anhaia Melo, Salim Farah Maluf e Celso Garcia em direção a mais um dia de curso, agora reta final. Ainda tocado pelos ecos da mudança e bastante cansado, não achei meu caderno. Saudade da bagunça de meu antigo quarto. Essa  nova bagunça está duro de aguentar. Lá fui eu comprar um caderno meia boca de 1,99. Não podia deixar de fazer minhas anotações. São elas que guiam esta narrativa-reflexão. No caminho, encontrei Amanda, que comentou sobre como a aula anterior havia sido legal, mais uma vez fiquei com raiva de não ter vindo. Mas tudo bem, passado é passado. Era hora de aproveitar a aula e o tema do dia:

Os objetos como recursos da narrativa Ou Algum outro título que não sei, pois meu material está na bagunça da mudança. (Arrhhh)
Por Kelly Orassi, dos grupo Trecos e Cacarecos de Teatro de Animação, uma das fundadoras do curso da Hans. 

Kelly contou sobre si própria (adoro ouvir os "De Como me tornei contador"). Achei particularmente linda sua história, pois aconteceu de forma torta e não convencional. Ela, atriz, foi chamada para substituir Giba Pedrosa num congresso internacional de contadores e foi com a cara e a coragem, prometendo fazer uma oficina para desencargo de consciência. Lá para o segundo ou terceiro dia, teve seu parto, dizendo a todos aos prantos que era uma farsa, pois não era contadora e sim atriz. A professora, sua parteira, pegou em sua mão e com a voz doce das sábias disse: "Todos nós somos contadores de histórias...". E ASSIM FOI: Começou sua jornada por esse mundão de narrativas. Hoje é professora de um curso de pós graduação em contação de histórias, pelo qual confesso que me interessei. Teria eu encontrado a pós que eu tanto desejava?

Contar histórias com objetos não é fácil. Nem coisa para um encontro. Advertiu-nos a professora com uma voz meiga e doce. Logo depois, uma risada grave, que levou-me a um distanciamento Brechtiano, já que a risada diferia em muito da voz. Sensacional.

Kelly com simpatia, sorriso de orelha a orelha, voz doce e riso grave alertou-nos que antigamente havia preconceito contra o ator-narrador e que hoje mudou-se o cenário para o oposto, aqueles que não narram de forma "teatral" recebem certo preconceito. É preciso romper com ambos e cada um buscar seu próprio estilo. Levantou-se também uma questão que pode gerar inquietude em muitos de nós: "Por que eu quero contar histórias?". Eu, cá, talvez ainda não tenha claro, embora sinta o que seja. Está ligado com minha missão de vida e minha motivação pessoal: levar encantamento às pessoas. "Contar história e compartilhar experiência", disse ela.

O tema da aula era Objetos, mas Kellly advertiu que a narrativa é a base e que ela dá os recursos que se deve usar. É preciso aprender apenas a andar com o "Olho Virado", descobrir as qualidades expressivas dos objetos e só então, após clara e fixa a narrativa e o que se pretende, buscar os objetos que nos auxiliem a narrar. Porque na verdade, a criança ou o adulto não se apega ao objeto em si, mas a um ponto de interesse na própria história.

O Objeto em si é uma ponte de significação com a história e traz uma carga ancestral que nos ajuda a contar o que há em cada um de nós nas histórias que escolhemos. Diferente do teatro, na narrativa, a história aconteceu em algum lugar e nós podemos ir para lá agora. Esta é a beleza de se narrar, ao meu ver.

Exercício: Cada colega pegou um objeto e fez uma ação. Aos poucos nossos olhos foram virando. O olhar virado, segundo Regina Machado, no Livro Acordais, é um despertar do olhar flexível sobre as coisas. No cotidiano, nosso olhar é funcional, mas precisamos olhar o objeto pensando no que ele pode nos sugerir. Pois na história, a função do objeto é a de surpreender a criança. Para isso, é preciso estar disposto a brincar, e se o outro não entendeu, é preciso deixar mais claro. PNL pura! E no final das contas, nossa brincadeira é casar palavra, gesto e objeto.

Kelly Conta: As três penas - Ela diz que deu tudo errado. E de fato, ocorreram problemas, mas o bonito é ver como a narradora lidou com o inesperado. "Você está bem?" Perguntou ela ao Carretel-Príncipe que manipulava e que por acidente deixou cair. Todos fomos à loucura.

Outro detalhe importante: Quando se conta histórias com objetos, é preciso estar muito atento para o espaço onde se vai contar, pois o objeto precisa estar visível para todos. Afinal, o objeto deve estar a serviço da história e não o contrário. Ser sutil também é importante. Menos é mais. Adoro essa frase.

Fomos então levados a uma experiência fantástica. Descrever um local de nossa infância. Descrevi a primeira casa onde morei de que tenho memória. Foi lindo voltar àquele lugar, a seus tons, suas texturas, vozes e relembrar da D. Maria, portuguesa mal humorada, dona do terreno. Nem eu mesmo lembrava que existiam tantos detalhes naquele local. Neste momento, senti total relação com o que foi proposto pela Leila, ao encarnar a palavra no corpo. Era sensacional ver e ouvir as descrições dos colegas.

E no final, a grande reflexão que o exercício nos trouxe. Os objetos já estão presentes nas histórias. É preciso apenas permitir-se entrar neste mundo. E assim como nos emocionamos com as descrições, estaremos também envolvidos com as histórias que contaremos por este mundo afora. Emocionados, tocados e cheios de lembranças, ouvimos Kelly concluir da forma mais linda e poética possível, com voz doce e riso grave:

"Bem vindos ao passeio com os olhos virados..."

[... e assim foi.]

Segue vídeo de Kelly contando Dom Quixote e utilizando com maestria vários objetos.








quinta-feira, 30 de maio de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 10

A PALAVRA ENCARNADA DO CORPO DO CONTADOR
Leila Garcia (Bailarina, Atriz e Contadora de Histórias)

POLÊMICA! POLÊMICA! POLÊMICA!

A parábola do lápis


Um fabricante de lápis disse a cada um de seus lápis, numa reunião:
"Existem cinco coisas que vocês precisam saber antes de eu lhes enviar para o mundo. Lembrem-se sempre delas, e se tornarão os melhores lápis que puderem ser.

Primeira: Vocês poderão fazer grandes coisas, mas só se vocês permitirem-se estar seguros na mão de alguém.
Segunda: Vocês experimentarão um doloroso processo toda vez que forem afiados, mas precisarão passar por isso se quiserem se tornar lápis melhores.
Terceira: Vocês têm a habilidade de corrigir qualquer mal-entendido que porventura ocasionem.

Quarta: Sua parte mais importante sempre estará do lado de dentro.

Quinta: Não importa a condição, vocês devem continuar a escrever. Além disso, vocês devem sempre deixar uma marca clara e legível, não importa o quão difícil seja a situação."

Todos os lápis entenderam, prometendo lembrar-se sempre; entraram em sua respectiva caixa compreendendo completamente o propósito de seu fabricante.

Autor desconhecido

[Foi assim...]

HORA DE SER AFIADO, APONTADO!

Leila iniciou contando sua própria história, sua formação como bailarina, que logo a fez conhecer o teatro, migrar para esta área e aos poucos conhecer a cultura africana, a Antroposofia e a Pedagogia Waldorf. Algumas pessoas já comentaram sobre este tipo de pedagogia e após assistir a alguns vídeos no Youtube, me interesse aumentou mais ainda. 

E sai uma pérola, aquelas frases, que me fazem abaixar a cabeça com pressa em direção ao caderno para anotar e não esquecer mais. "Professor é uma coisa, Mestre é outra." De fato é. É este o caminho do qual estou em busca. Acho que sempre estive, mas hoje tenho certeza em cada átomo de meu corpo. 

"A palavra não está na boca. Ela é o ser humano". A partir desta afirmação, fomos conduzimos a (re)descobrir o corpo que somos, do qual muitas vezes só nos lembramos porque dói, ou porque estamos cansados, fomos instigados e provocados a descobrir o corpo da palavra, a palavra do corpo ou corpalavra, reflexões minhas. 

E toda Professora de Expressão Corporal tem Rigidez como sobrenome, não é mesmo Tica Lemos e Lídia Zózima e Alessandra Fioravanti? Cada uma a sua forma, mas a mesma essência de "Vamos lá, sem corpo mole!", para quem não conhece é assustador. Felizmente estou vacinado, as broncas de Tica, que já me fizeram chorar valeram muito. Afinal, "há que se ralar muito para encontrar seu próprio caminho." Leila veio nos trazer isso e não foi fácil. 

Atenção para a postura, pés paralelos, quadril encaixado, direciona a tíbia para a frente para evitar a hiperextensão do joelho, não sabia dessa: Perfeito! Um pouco mais, flexiona os joelhos várias vezes, deixa o corpo pronto, deixa vibrar, prontidão pura. Coreografia em circulo "Tere, tere, tere, tere... põe a mão no ombro do colega... Tere, tere, tere, tere...". Atingimos a experiência através do trabalho. 

E novamente a Síndrome da 5ª D. É burburinho, falação, piadinha jocosa, pouca escuta e pouca atenção a si próprio. Fica difícil, e com uma professora mais rígida é cutucar onça com vara curta. Começou a pesar. Sei que as questões corporais geram muito bloqueio, assim  também é comigo, mas é preciso boa vontade e coração aberto para superar as dificuldades. Não é isso que vivemos dizendo a nossas crianças? Mais uma vez me imagino sendo observado por meus alunos. Preciso ser como sempre exijo que sejam. 

Deixa o corpo expressar, não barra ou sabota o processo. "Vivemos num mundo muito cabeção. E quando se pensa muito, se pensa mal." PER FEI TO. E não bastasse isso, ouço mais uma. "Temos que dar na escola uma educação corporal, porque ela por si só já é uma educação dos sentidos." ÊXTASE: É NESTA EDUCAÇÃO QUE ACREDITO E É ELA QUE VENHO TENTADO DESENVOLVER NOS ÚLTIMOS ANOS"

Pausa para o café!

Parte 2 - Juntando tudo ou Saindo da Zona de Conforto ou Hora da Verdade ou O quanto de feedback você é capaz de suportar?

"Somos um corpo que narra". Ao narrar, é preciso ver o filme da história em sua tela mental e corporificar o que for preciso. "Quando movimentar-se conectar-se com seu centro." Alguns exercícios, novamente a Polêmica do Ser Ou Não Ser o  Personagem. E foi nessa hora que senti certo clima de animosidade entre alguns colegas de turma e professora. Leila tem suas convicções a as apresenta com energia, o vigor de seu corpalavra incomoda alguns. 

Durante um exercício, Leila age como diretora mandaando voltar, corrige, aponta, não é fácil, sei bem. Alguns colegas, sem terem tido essa experiência sentem-se desconfortáveis, o consciente barra, a situação piora um pouco mais. Argumentos daqui e dali, não cabe aqui juízo de valor de minha parte, entendo a dificuldade dos colegas, embora certa abertura para ouvir ou como diria Tica "Abre um HD novo aí dentro para a informação que está chegando..." podem ajudar muito. Leila também não é um doce, tem a rigidez das bailarinas, mas "disciplina é liberdade.". Alguns colegas se incomodam e já motivados pela pressa do horário estourado deixam a sala. A conversa continua, exercício também. E se antes fora parado no meio para correção, segue até seu fim. Considerações sobre a coerência da narrativa e a diluição do corpo no ato de narrar continuam colocando o dedo na ferida. Mas só crescemos quando somos colocados diante de conflitos e adversidades, zona de conforto é uma merda. Só eu sei o quanto sofri com alguns professores e hoje lhes sou extremamente grato, por tudo até pelos  seus desacertos. 

Até que ponto, nós enquanto contadores estamos com a escuta apurada, para ouvir o outro, o professor, o colega a agir e experienciar os ensinamentos que nos forem passados olhando para dentro e não fazendo piada dos outros e esquecendo de si próprios? E é completamente compreensível que se tenha dificuldades, que se sofra com as correções, precisamos ser apontados e dói, sei. Mas podemos fazer coisas incríveis se estivermos seguros nas mãos de alguém e sabemos que podemos apagar e corrigir o que fizermos. E que venham outros apontadores. De minha parte, estou pronto! Que saiamos deste aquário individual e enxergamos o mundo lá de fora. Mesmo que o nos corrijam com rigidez e vigor. 


E infelizmente precisei sair antes do fim, uma noite mal dormida, a fome, um trabalho que faria no sábado à noite motivaram minha saída. No almoço, sushi e sashimi regados a uma conversa maravilhosa com meu parceiro de grupo: o grande e genial Adilson França. 

[... e assim foi.]

Segue um vídeo sobre pedagogia Waldorf, que andei pesquisando. Estou cada vez mais interessado por isso.



Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 9

REGISTRO ATRASADO!
(O Mês de maio anda corrido)


OS RECURSOS VOCAIS NO CONTAR (VOZ FALADA) 
Viviane Barrichelo

[Foi assim:]

Cheguei atrasado, nobre causa: Estréia do Núcleo 2 do Brinquedo Torto no Dia da Família do Colégio Central Casa Branca. Estréia e grupo novo é sempre aquela magia, aquele pisar nas nuvens, aquele dirigir com a cabeça não sei onde. Foi assim que cheguei à Biblioteca Hans Christian Andersen. Não sei o quanto consegui assimilar do que fazíamos e o que eu perdi, mas vamos lá. 

Quando adentrei à sala, falava-se das pausas que podem, entre muitas ações podem indicar lógica, dando sentido ao texto, serem psicológicas, causando efeitos ou serem apenas roubadas de ar. "Descubra a pontuação da história", dizia a simpática Viviane. É muito importante fazer as divisões de sentido, trabalho parecido com o de decoupagem de texto que fazemos no teatro. 

(Mas que beleza a apresentação, como é bom estar com aqueles meninos...) Opa! Volta para a aula, cabeça de Vento! 

Tom e frequência: Encontrar seu tom de partida, tom confortável, compatível com a fala do dia-dia, tom que pode ser alterado ou modificado durante a narração, mas com cautela. "Aprecie com moderação!" (Tela Azul) "Agravar demais ou agudizar demais pode prejudicar a saúde!" 

Vários exercícios de leitura e intenção, toda a turma experimentando suas próprias possibilidades vocais. Bonito ver como cada um encontra forma de soar seu próprio instrumento. 

Envelhecimento: Quando envelhecemos, vovôs ficam com a voz mais aguda; vovós, mais graves. bonito pensar nisso! 

(Quanta emoção vivi hoje, ainda estou com vontade de chorar...) Planeta Terra chamando! Planeta terra chamando! 

Às vezes, para mudar o tom não é preciso grande esforço, só mudar a posição dos ressonadores: bico ou sorriso mudam o tom. Uma única voz traz uma infinidade de recursos e efeitos. O texto, e os elementos nele presentes é que determinam a voz que você utiliza. Mais uma vez recupero coisas que já havia visto no teatro. Atenção para as nuances, que colorem o texto e para sua curva melódica. É isso que encanta em bons contadores e atores. 

Durante a oficina, Viviane nos presenteou com histórias interessantes, as quais quero pesquisar. Aqui estão algumas:

Janjão e Pinote 

Topeira com cocô na cabeça

TV e o Menino

E já era tempo de encerrar a oficina. Para mim, foi curto, meu registro também. Gostei muito do trabalho vocal desta contadora. É uma voz mais agudizada, mas a meu ver, muito bem colocada.

[... e assim foi.]