Sobre meus porquês e
o conter-me ao contar
Talvez precise me conter ao escrever esta carta.
Meu pensamento corre solto e logo procuro forma de poetizar um pouco mais minha
própria história. A imaginação já flutua e domá-la vez por outra é desafio.
Afinal, sonhar é quase crime para mundo atual e quem buscar encantar-se um
pouco é por vezes visto com maus olhos por alguns.
Assim foi comigo
desde menino: imaginação fértil, criatividade efervescente. “Acorda, cabeça de
vento!” O primeiro encantamento deu-se talvez aos cinco, talvez, seis aninhos,
quando meu pai, um semi alfabetizado técnico de telefonia me levava a seu local
de trabalho. Enquanto ele consertava telefones, eu olhava absorto aquelas
folhas de sulfite embaixo de um vidro. “São poesias”, dizia ele. Não sabia do
que se tratava, mas a sonoridade da palavra lançou-me às nuvens.
E é típico dos
meninos imitarem os pais dirigindo carros, jogando futebol e no meu caso,
escrevendo. Não sabia ler e “escrevi” meu primeiro poema, imitando meu pai.
Durante infância e adolescência, idas e vindas com a criatividade, poesia e narrativa sempre fizeram parte da minha vida.
Seja na aula, onde a professora insistia em ler minhas redações e contos, seja
no sonho de transformar alguma paixonite em poema ou história de herói que
salva a mocinha.
Mas meninos
crescem, também é típico deles. E diferente do que acontece, crescer não me
distanciou da fantasia, aproximou-me dela. Curso de letras, um trabalho como
inspetor de alunos e algumas crianças dizendo poesia numa sala de aula
transformaram minha existência. Logo os sábados eram os melhores dias da
semana. Não porque era dia de descanso, mas porque era dia estar elas para meu
projeto voluntário, minha razão de viver, dia de fazer uma lenda que escrevi e
lhes contei tornar-se real. A lenda de um grupo de crianças com brilhos nos
olhos que salvavam o mundo através da palavra.
Nem sabia, mas
aquilo era teatro. Fui estudar o assunto e descobri-me ator e diretor, hoje
formado. Já lecionava então e os contos e poemas me acompanhavam em sala de
aula. Mas quando ouvia falar de contação de histórias, lembrava de alguns bons
profissionais e outros nem tanto, o que me fazia relutar um pouco. Até que
comecei a estudar a mente humana e conheci mais de perto o poder das metáforas.
“Pera aí, eu já faço isso”, pensei comigo. Preciso fazer mais e melhor. Larga
mão de preconceito beste e passa logo e fazer isso bem feito.
De lá pra cá,
venho nesse mundo procurando o encantamento, levando a arte com crianças e
adolescentes muito a sério. E é isso que me motiva, me move me alimenta. É isso
que amo. Creio numa educação que abrace, olhe nos olhos, beije na testa, onde a
narrativa, é fundamental, pois é a roupa de gala de uma senhora velha e sábia
chamada verdade, capaz de mudar vidas, abrir sorriso e marejar os olhos. E para
tanto, preciso de ferramentas, de novos recursos, de aprendizado.
Creio que não
consegui conter ao contar. Pululavam palavras e pouco pude fazer. Gostaria de
expor aqui de forma contida meu porquês, meus desejos e pretensões, mas
transbordou-me a ideia. Peço perdão apenas e que considerem esta carta não um
floreio, mas uma descarga emotiva cujo vetor e o desejo de aprender a contar.
Varlei Xavier