sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Carta de intenção para o curso de Contadores de Histórias

Segue aqui a carta de intenção que escrevi para o curso de formação de contadores de histórias na Biblioteca Hans Cristian Andersen. Dizem que é um curso muito concorrido. Espero que logo eu possa contar a experiência do curso aqui.


Sobre meus porquês e o conter-me ao contar

Talvez precise me conter ao escrever esta carta. Meu pensamento corre solto e logo procuro forma de poetizar um pouco mais minha própria história. A imaginação já flutua e domá-la vez por outra é desafio. Afinal, sonhar é quase crime para mundo atual e quem buscar encantar-se um pouco é por vezes visto com maus olhos por alguns.
                Assim foi comigo desde menino: imaginação fértil, criatividade efervescente. “Acorda, cabeça de vento!” O primeiro encantamento deu-se talvez aos cinco, talvez, seis aninhos, quando meu pai, um semi alfabetizado técnico de telefonia me levava a seu local de trabalho. Enquanto ele consertava telefones, eu olhava absorto aquelas folhas de sulfite embaixo de um vidro. “São poesias”, dizia ele. Não sabia do que se tratava, mas a sonoridade da palavra lançou-me às nuvens.
                E é típico dos meninos imitarem os pais dirigindo carros, jogando futebol e no meu caso, escrevendo. Não sabia ler e “escrevi” meu primeiro poema, imitando meu pai. Durante infância e adolescência, idas e vindas com a criatividade,  poesia e  narrativa sempre fizeram parte da minha vida. Seja na aula, onde a professora insistia em ler minhas redações e contos, seja no sonho de transformar alguma paixonite em poema ou história de herói que salva a mocinha.
                Mas meninos crescem, também é típico deles. E diferente do que acontece, crescer não me distanciou da fantasia, aproximou-me dela. Curso de letras, um trabalho como inspetor de alunos e algumas crianças dizendo poesia numa sala de aula transformaram minha existência. Logo os sábados eram os melhores dias da semana. Não porque era dia de descanso, mas porque era dia estar elas para meu projeto voluntário, minha razão de viver, dia de fazer uma lenda que escrevi e lhes contei tornar-se real. A lenda de um grupo de crianças com brilhos nos olhos que salvavam o mundo através da palavra.
                Nem sabia, mas aquilo era teatro. Fui estudar o assunto e descobri-me ator e diretor, hoje formado. Já lecionava então e os contos e poemas me acompanhavam em sala de aula. Mas quando ouvia falar de contação de histórias, lembrava de alguns bons profissionais e outros nem tanto, o que me fazia relutar um pouco. Até que comecei a estudar a mente humana e conheci mais de perto o poder das metáforas. “Pera aí, eu já faço isso”, pensei comigo. Preciso fazer mais e melhor. Larga mão de preconceito beste e passa logo e fazer isso bem feito.
                De lá pra cá, venho nesse mundo procurando o encantamento, levando a arte com crianças e adolescentes muito a sério. E é isso que me motiva, me move me alimenta. É isso que amo. Creio numa educação que abrace, olhe nos olhos, beije na testa, onde a narrativa, é fundamental, pois é a roupa de gala de uma senhora velha e sábia chamada verdade, capaz de mudar vidas, abrir sorriso e marejar os olhos. E para tanto, preciso de ferramentas, de novos recursos, de aprendizado.
                Creio que não consegui conter ao contar. Pululavam palavras e pouco pude fazer. Gostaria de expor aqui de forma contida meu porquês, meus desejos e pretensões, mas transbordou-me a ideia. Peço perdão apenas e que considerem esta carta não um floreio, mas uma descarga emotiva cujo vetor e o desejo de aprender a contar.

Varlei Xavier