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domingo, 23 de junho de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 12

Sábado passado, dia 08 de Junho, aula 11: perdida por causa da minha mudança. Pior mudança da minha vida. Dureza total.

[Foi assim...]

Prólogo ou A Bagunça Interna e Externa que a mudança traz. (Já atrasado por causa da semana de manifestações)

Acordei cedo, banho quente, café na padoca e depois de duas semanas ausente (uma por causa do feriado) lá fui eu no caminho Av. do Estado, Vila Prudente, Anhaia Melo, Salim Farah Maluf e Celso Garcia em direção a mais um dia de curso, agora reta final. Ainda tocado pelos ecos da mudança e bastante cansado, não achei meu caderno. Saudade da bagunça de meu antigo quarto. Essa  nova bagunça está duro de aguentar. Lá fui eu comprar um caderno meia boca de 1,99. Não podia deixar de fazer minhas anotações. São elas que guiam esta narrativa-reflexão. No caminho, encontrei Amanda, que comentou sobre como a aula anterior havia sido legal, mais uma vez fiquei com raiva de não ter vindo. Mas tudo bem, passado é passado. Era hora de aproveitar a aula e o tema do dia:

Os objetos como recursos da narrativa Ou Algum outro título que não sei, pois meu material está na bagunça da mudança. (Arrhhh)
Por Kelly Orassi, dos grupo Trecos e Cacarecos de Teatro de Animação, uma das fundadoras do curso da Hans. 

Kelly contou sobre si própria (adoro ouvir os "De Como me tornei contador"). Achei particularmente linda sua história, pois aconteceu de forma torta e não convencional. Ela, atriz, foi chamada para substituir Giba Pedrosa num congresso internacional de contadores e foi com a cara e a coragem, prometendo fazer uma oficina para desencargo de consciência. Lá para o segundo ou terceiro dia, teve seu parto, dizendo a todos aos prantos que era uma farsa, pois não era contadora e sim atriz. A professora, sua parteira, pegou em sua mão e com a voz doce das sábias disse: "Todos nós somos contadores de histórias...". E ASSIM FOI: Começou sua jornada por esse mundão de narrativas. Hoje é professora de um curso de pós graduação em contação de histórias, pelo qual confesso que me interessei. Teria eu encontrado a pós que eu tanto desejava?

Contar histórias com objetos não é fácil. Nem coisa para um encontro. Advertiu-nos a professora com uma voz meiga e doce. Logo depois, uma risada grave, que levou-me a um distanciamento Brechtiano, já que a risada diferia em muito da voz. Sensacional.

Kelly com simpatia, sorriso de orelha a orelha, voz doce e riso grave alertou-nos que antigamente havia preconceito contra o ator-narrador e que hoje mudou-se o cenário para o oposto, aqueles que não narram de forma "teatral" recebem certo preconceito. É preciso romper com ambos e cada um buscar seu próprio estilo. Levantou-se também uma questão que pode gerar inquietude em muitos de nós: "Por que eu quero contar histórias?". Eu, cá, talvez ainda não tenha claro, embora sinta o que seja. Está ligado com minha missão de vida e minha motivação pessoal: levar encantamento às pessoas. "Contar história e compartilhar experiência", disse ela.

O tema da aula era Objetos, mas Kellly advertiu que a narrativa é a base e que ela dá os recursos que se deve usar. É preciso aprender apenas a andar com o "Olho Virado", descobrir as qualidades expressivas dos objetos e só então, após clara e fixa a narrativa e o que se pretende, buscar os objetos que nos auxiliem a narrar. Porque na verdade, a criança ou o adulto não se apega ao objeto em si, mas a um ponto de interesse na própria história.

O Objeto em si é uma ponte de significação com a história e traz uma carga ancestral que nos ajuda a contar o que há em cada um de nós nas histórias que escolhemos. Diferente do teatro, na narrativa, a história aconteceu em algum lugar e nós podemos ir para lá agora. Esta é a beleza de se narrar, ao meu ver.

Exercício: Cada colega pegou um objeto e fez uma ação. Aos poucos nossos olhos foram virando. O olhar virado, segundo Regina Machado, no Livro Acordais, é um despertar do olhar flexível sobre as coisas. No cotidiano, nosso olhar é funcional, mas precisamos olhar o objeto pensando no que ele pode nos sugerir. Pois na história, a função do objeto é a de surpreender a criança. Para isso, é preciso estar disposto a brincar, e se o outro não entendeu, é preciso deixar mais claro. PNL pura! E no final das contas, nossa brincadeira é casar palavra, gesto e objeto.

Kelly Conta: As três penas - Ela diz que deu tudo errado. E de fato, ocorreram problemas, mas o bonito é ver como a narradora lidou com o inesperado. "Você está bem?" Perguntou ela ao Carretel-Príncipe que manipulava e que por acidente deixou cair. Todos fomos à loucura.

Outro detalhe importante: Quando se conta histórias com objetos, é preciso estar muito atento para o espaço onde se vai contar, pois o objeto precisa estar visível para todos. Afinal, o objeto deve estar a serviço da história e não o contrário. Ser sutil também é importante. Menos é mais. Adoro essa frase.

Fomos então levados a uma experiência fantástica. Descrever um local de nossa infância. Descrevi a primeira casa onde morei de que tenho memória. Foi lindo voltar àquele lugar, a seus tons, suas texturas, vozes e relembrar da D. Maria, portuguesa mal humorada, dona do terreno. Nem eu mesmo lembrava que existiam tantos detalhes naquele local. Neste momento, senti total relação com o que foi proposto pela Leila, ao encarnar a palavra no corpo. Era sensacional ver e ouvir as descrições dos colegas.

E no final, a grande reflexão que o exercício nos trouxe. Os objetos já estão presentes nas histórias. É preciso apenas permitir-se entrar neste mundo. E assim como nos emocionamos com as descrições, estaremos também envolvidos com as histórias que contaremos por este mundo afora. Emocionados, tocados e cheios de lembranças, ouvimos Kelly concluir da forma mais linda e poética possível, com voz doce e riso grave:

"Bem vindos ao passeio com os olhos virados..."

[... e assim foi.]

Segue vídeo de Kelly contando Dom Quixote e utilizando com maestria vários objetos.








quinta-feira, 30 de maio de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 10

A PALAVRA ENCARNADA DO CORPO DO CONTADOR
Leila Garcia (Bailarina, Atriz e Contadora de Histórias)

POLÊMICA! POLÊMICA! POLÊMICA!

A parábola do lápis


Um fabricante de lápis disse a cada um de seus lápis, numa reunião:
"Existem cinco coisas que vocês precisam saber antes de eu lhes enviar para o mundo. Lembrem-se sempre delas, e se tornarão os melhores lápis que puderem ser.

Primeira: Vocês poderão fazer grandes coisas, mas só se vocês permitirem-se estar seguros na mão de alguém.
Segunda: Vocês experimentarão um doloroso processo toda vez que forem afiados, mas precisarão passar por isso se quiserem se tornar lápis melhores.
Terceira: Vocês têm a habilidade de corrigir qualquer mal-entendido que porventura ocasionem.

Quarta: Sua parte mais importante sempre estará do lado de dentro.

Quinta: Não importa a condição, vocês devem continuar a escrever. Além disso, vocês devem sempre deixar uma marca clara e legível, não importa o quão difícil seja a situação."

Todos os lápis entenderam, prometendo lembrar-se sempre; entraram em sua respectiva caixa compreendendo completamente o propósito de seu fabricante.

Autor desconhecido

[Foi assim...]

HORA DE SER AFIADO, APONTADO!

Leila iniciou contando sua própria história, sua formação como bailarina, que logo a fez conhecer o teatro, migrar para esta área e aos poucos conhecer a cultura africana, a Antroposofia e a Pedagogia Waldorf. Algumas pessoas já comentaram sobre este tipo de pedagogia e após assistir a alguns vídeos no Youtube, me interesse aumentou mais ainda. 

E sai uma pérola, aquelas frases, que me fazem abaixar a cabeça com pressa em direção ao caderno para anotar e não esquecer mais. "Professor é uma coisa, Mestre é outra." De fato é. É este o caminho do qual estou em busca. Acho que sempre estive, mas hoje tenho certeza em cada átomo de meu corpo. 

"A palavra não está na boca. Ela é o ser humano". A partir desta afirmação, fomos conduzimos a (re)descobrir o corpo que somos, do qual muitas vezes só nos lembramos porque dói, ou porque estamos cansados, fomos instigados e provocados a descobrir o corpo da palavra, a palavra do corpo ou corpalavra, reflexões minhas. 

E toda Professora de Expressão Corporal tem Rigidez como sobrenome, não é mesmo Tica Lemos e Lídia Zózima e Alessandra Fioravanti? Cada uma a sua forma, mas a mesma essência de "Vamos lá, sem corpo mole!", para quem não conhece é assustador. Felizmente estou vacinado, as broncas de Tica, que já me fizeram chorar valeram muito. Afinal, "há que se ralar muito para encontrar seu próprio caminho." Leila veio nos trazer isso e não foi fácil. 

Atenção para a postura, pés paralelos, quadril encaixado, direciona a tíbia para a frente para evitar a hiperextensão do joelho, não sabia dessa: Perfeito! Um pouco mais, flexiona os joelhos várias vezes, deixa o corpo pronto, deixa vibrar, prontidão pura. Coreografia em circulo "Tere, tere, tere, tere... põe a mão no ombro do colega... Tere, tere, tere, tere...". Atingimos a experiência através do trabalho. 

E novamente a Síndrome da 5ª D. É burburinho, falação, piadinha jocosa, pouca escuta e pouca atenção a si próprio. Fica difícil, e com uma professora mais rígida é cutucar onça com vara curta. Começou a pesar. Sei que as questões corporais geram muito bloqueio, assim  também é comigo, mas é preciso boa vontade e coração aberto para superar as dificuldades. Não é isso que vivemos dizendo a nossas crianças? Mais uma vez me imagino sendo observado por meus alunos. Preciso ser como sempre exijo que sejam. 

Deixa o corpo expressar, não barra ou sabota o processo. "Vivemos num mundo muito cabeção. E quando se pensa muito, se pensa mal." PER FEI TO. E não bastasse isso, ouço mais uma. "Temos que dar na escola uma educação corporal, porque ela por si só já é uma educação dos sentidos." ÊXTASE: É NESTA EDUCAÇÃO QUE ACREDITO E É ELA QUE VENHO TENTADO DESENVOLVER NOS ÚLTIMOS ANOS"

Pausa para o café!

Parte 2 - Juntando tudo ou Saindo da Zona de Conforto ou Hora da Verdade ou O quanto de feedback você é capaz de suportar?

"Somos um corpo que narra". Ao narrar, é preciso ver o filme da história em sua tela mental e corporificar o que for preciso. "Quando movimentar-se conectar-se com seu centro." Alguns exercícios, novamente a Polêmica do Ser Ou Não Ser o  Personagem. E foi nessa hora que senti certo clima de animosidade entre alguns colegas de turma e professora. Leila tem suas convicções a as apresenta com energia, o vigor de seu corpalavra incomoda alguns. 

Durante um exercício, Leila age como diretora mandaando voltar, corrige, aponta, não é fácil, sei bem. Alguns colegas, sem terem tido essa experiência sentem-se desconfortáveis, o consciente barra, a situação piora um pouco mais. Argumentos daqui e dali, não cabe aqui juízo de valor de minha parte, entendo a dificuldade dos colegas, embora certa abertura para ouvir ou como diria Tica "Abre um HD novo aí dentro para a informação que está chegando..." podem ajudar muito. Leila também não é um doce, tem a rigidez das bailarinas, mas "disciplina é liberdade.". Alguns colegas se incomodam e já motivados pela pressa do horário estourado deixam a sala. A conversa continua, exercício também. E se antes fora parado no meio para correção, segue até seu fim. Considerações sobre a coerência da narrativa e a diluição do corpo no ato de narrar continuam colocando o dedo na ferida. Mas só crescemos quando somos colocados diante de conflitos e adversidades, zona de conforto é uma merda. Só eu sei o quanto sofri com alguns professores e hoje lhes sou extremamente grato, por tudo até pelos  seus desacertos. 

Até que ponto, nós enquanto contadores estamos com a escuta apurada, para ouvir o outro, o professor, o colega a agir e experienciar os ensinamentos que nos forem passados olhando para dentro e não fazendo piada dos outros e esquecendo de si próprios? E é completamente compreensível que se tenha dificuldades, que se sofra com as correções, precisamos ser apontados e dói, sei. Mas podemos fazer coisas incríveis se estivermos seguros nas mãos de alguém e sabemos que podemos apagar e corrigir o que fizermos. E que venham outros apontadores. De minha parte, estou pronto! Que saiamos deste aquário individual e enxergamos o mundo lá de fora. Mesmo que o nos corrijam com rigidez e vigor. 


E infelizmente precisei sair antes do fim, uma noite mal dormida, a fome, um trabalho que faria no sábado à noite motivaram minha saída. No almoço, sushi e sashimi regados a uma conversa maravilhosa com meu parceiro de grupo: o grande e genial Adilson França. 

[... e assim foi.]

Segue um vídeo sobre pedagogia Waldorf, que andei pesquisando. Estou cada vez mais interessado por isso.



Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 9

REGISTRO ATRASADO!
(O Mês de maio anda corrido)


OS RECURSOS VOCAIS NO CONTAR (VOZ FALADA) 
Viviane Barrichelo

[Foi assim:]

Cheguei atrasado, nobre causa: Estréia do Núcleo 2 do Brinquedo Torto no Dia da Família do Colégio Central Casa Branca. Estréia e grupo novo é sempre aquela magia, aquele pisar nas nuvens, aquele dirigir com a cabeça não sei onde. Foi assim que cheguei à Biblioteca Hans Christian Andersen. Não sei o quanto consegui assimilar do que fazíamos e o que eu perdi, mas vamos lá. 

Quando adentrei à sala, falava-se das pausas que podem, entre muitas ações podem indicar lógica, dando sentido ao texto, serem psicológicas, causando efeitos ou serem apenas roubadas de ar. "Descubra a pontuação da história", dizia a simpática Viviane. É muito importante fazer as divisões de sentido, trabalho parecido com o de decoupagem de texto que fazemos no teatro. 

(Mas que beleza a apresentação, como é bom estar com aqueles meninos...) Opa! Volta para a aula, cabeça de Vento! 

Tom e frequência: Encontrar seu tom de partida, tom confortável, compatível com a fala do dia-dia, tom que pode ser alterado ou modificado durante a narração, mas com cautela. "Aprecie com moderação!" (Tela Azul) "Agravar demais ou agudizar demais pode prejudicar a saúde!" 

Vários exercícios de leitura e intenção, toda a turma experimentando suas próprias possibilidades vocais. Bonito ver como cada um encontra forma de soar seu próprio instrumento. 

Envelhecimento: Quando envelhecemos, vovôs ficam com a voz mais aguda; vovós, mais graves. bonito pensar nisso! 

(Quanta emoção vivi hoje, ainda estou com vontade de chorar...) Planeta Terra chamando! Planeta terra chamando! 

Às vezes, para mudar o tom não é preciso grande esforço, só mudar a posição dos ressonadores: bico ou sorriso mudam o tom. Uma única voz traz uma infinidade de recursos e efeitos. O texto, e os elementos nele presentes é que determinam a voz que você utiliza. Mais uma vez recupero coisas que já havia visto no teatro. Atenção para as nuances, que colorem o texto e para sua curva melódica. É isso que encanta em bons contadores e atores. 

Durante a oficina, Viviane nos presenteou com histórias interessantes, as quais quero pesquisar. Aqui estão algumas:

Janjão e Pinote 

Topeira com cocô na cabeça

TV e o Menino

E já era tempo de encerrar a oficina. Para mim, foi curto, meu registro também. Gostei muito do trabalho vocal desta contadora. É uma voz mais agudizada, mas a meu ver, muito bem colocada.

[... e assim foi.]

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 8

A voz cantada para ajudar a contar

Aula de Anita Deixler [Foi assim...]

"Estamos diante de uma Deusa" - disse Antônio Rosa ao final da aula. Uma Deusa da Voz, diria eu. Anita nos brindou com elegância, amor e delicadeza do início ao fim. Foi cantora do Teatro Municipal de São Paulo e depois de 30 anos, prestes a se aposentar, decidiu dedicar-se exclusivamente às aulas de canto, função que já desempenhava há anos. 

Já no início da aula uma linda descoberta: "O homem pré-histórico começou cantando, imitando o som dos bichos e não articulando fala.". Embora tenha entendido a colocação de Anita, minha imaginação flutua pensando numa época em que Neanderthal, Erectus e Sapiens cantarolando por aí. E como se não houvesse entendido, imagino agora um homem das cavernas cantando "Vou te contar, os olhos já não podem ver...". Muito bobo...

Senhoras e senhores, a prega vocal: é ela que nos protege de engasgamentos e de sobre é a responsável pela criação dos sons. O ar passa, ela vibra e a magia acontece. Mas tudo parte da respiração. "Se não há pressão de ar, não há som". O cantar e o falar estão na expiração. Não se fala inspirando.

"Às vezes a voz é mais forte do que o visual. É sua impressão digital.". "Encontre seu próprio timbre e ninguém contará histórias como você." E se essas frases já são por si só potentes, na divina voz de Anita, ganham ainda mais força.

Depois de um pouco de teoria, exercícios de respiração e aquecimento vocal. Sinto-me confortável. Para cantar, a voz entra pelo nariz e pela boca. Isso prova realmente que Mapa é Mapa. No Yôga, a respiração é praticamente o tempo todo nasal.

Ter consciência do aparelho fonador é algo belíssimo. Fechar ou não fechar a glote para falar ou cantar. Diferença significativa. Atenção sempre para os registros: Voz de peito, mista e de cabeça. Em notas agudas, a voz é de cabeça, principalmente nas meninas. Salmodiar é um bom exercício.

E foi, aos poucos, quando menos se percebeu, a turma animada e interessada na aula foi se transformando numa galera de dar inveja a qualquer 5ªD ou 6ªF. Qual é o limite de conversa e da bagunça? Se contar histórias é um exercício de fala e escuta, qual limite e qual a hora de discernir entre um e outro? Sempre me pego imaginando meus alunos me vendo como aluno. "Preciso fazer aquilo que sempre lhes peço. Se peço atenção, escuta e foco, não posso agir diferente.". Claro, nem sempre ordem é progresso, mas nem tanto ao céu nem tanto à terra. E Anita é uma Lady, age com delicadeza, pena nem todos captarem a sutileza das "broncas" dadas por ela.

Ouvimos "O Messias", de Hendell ilha de paz em meio a ruidosa sala. Atenção para a Magia das Vogais. São elas que dão cor ao som. Sinestesia é tudo.

Vasculho meu caderno em busca de anotações para dar lógica ao registro e encontro mais duas vezes anotadas a frase "Onde está a escuta?. Elas dão o tom do que senti em vários momentos.

E fomos nós ouvirmos as vozes dos colegas. Lindas vozes, mesmo tímidas, bom ouvir, muito esclarecedor. Alguns mais tímidos, outros mais soltos, emoção rolou, fui um dos últimos e descobri que som um baixo barítono, com um tal de basal, que é um grave quase arroto.

E toda essa conversa durou até as 15:25, quando então, apenas 13 alunos ficaram para a despedida.  Quase uma hora e meia após o término oficial da aula, finalmente as vozes, todas elas se calaram e tomaram seus próprios caminhos, não sem antes, muito abraço na Deusa da Voz, que nos presenteou com ensinamentos, carinho, simpatia e som.

Ia colocar alguma música do soundcloud da Anita (soundcloud.com/anitadeixler) aqui, mas acho que melhor homenagem não teria do que eu colocar um vídeo que vi esta semana e acho que vale a pena ouvir milhões de vezes.

[E assim foi...]



segunda-feira, 6 de maio de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 7

[Foi assim:]

Recupero minhas anotações deste sábado. Passo os olhos por cima para ver se esqueci de algo. Provavelmente terei me deixado de anotar coisa importante. Sou um pouco “Adélia esquecida”. Confesso que não sou muito visual. Adélia também não. A menina sempre esquece alguma coisa antes de sair de casa. Sou bem assim. Tal característica não deixaria de se apresentar neste registro.

Nosso sábado começou bem nutrido pela história cantada por Ana Lu. Ah, Adélia. Tão Varlei essa menina. Tão Varlei que esquece tudo, mas não o afeto. Linda história, que aqueceu meu coração. Ficaria o dia inteiro ouvindo as histórias da Mestra. Quero ser assim quando crescer.

Pronto, já esqueci algo que veio antes da história. Varlei esquecido. A conversa sobre o violão. Quando Ana Lu pegou o violão para afinar, um colega de turma pensou alto: “A gente poderia aprender.” Ouvimos de Ana que podíamos sim aprender, mas a pesquisa do violão era uma outra viagem, viagem de uma vida inteira. E que quanto mais recursos forem postos numa história, mais seguro se deve estar de cada um deles e estuda-los isoladamente. “Cuidado para não subir ao seu nível de incompetência.”, frase que Ana Lu ouviu quando pequena e que vale a pena refletir sobre.

Relatórios entregues, reflexão e devolutiva das análises. Parece que alguns colegas assistiram coisas “não tão legais”, diria eu. Voz colocada de forma inadequada, falta de nuance na narrativa. “O texto tem que criar forma na boca do contador”. Isso muito ainda me falta. “O contador deve estudar, estudar e estudar.”. Ana é um exemplo de disciplina. Estuda e pesquisa tanto que dificilmente sobe ao seu nível de incompetência.

Sinto que a fala já ecoa no trabalho que venho desenvolvendo, mas ainda falta muito para que os ecos internos se apresentem externamente na hora da história. Trabalho, muito trabalho então, para que isso possa surtir efeito. 

Sobre as interrupções, interferências e participações. “Se a criança levantar o dedo, ela está toda na sua.” Existem várias formas de participar. Ouvir e acompanhar é também uma baita interação. Não é preciso o tempo todo incitar e pedir que participem, até porque às vezes a participação será tão intensa que a narrativa se perde. Achar este meio termo entre não ignorar a criança no ato da história e não superestimar a participação é uma habilidade que o curso não nos dará. Só a experiência. E quando perder o fio por causa da participação, uma boa maneira de retomá-la é perguntar: “Onde é que a gente tinha parado mesmo?”. Outra informação importante: às vezes, conversar antes da história é uma boa forma de esvaziar o público, para preenchê-lo com a narrativa.

Muito cuidado com a maneira que se prepara o público para a história. Preciso me atentar a isso. A preparação é para o que vem. Não adianta aquecer com uma música hiper agitada se a história pede sensibilidade. Atenção também para os recursos visuais, figurinos e similares. Tudo precisa estar conectado à narrativa. Caso contrário, são estímulos desnecessários, que desviam a atenção dos ouvintes. Não se pode, ainda, ter dúvidas da sequência das ações.

Paramos para o lanche e lá fomos nós para a conversa regada a sucos, bolos e tortas.

Parte dois. A Estrutura da Narrativa – A Jornada do Herói. Segue imagem interessante e que resume com qualidade minhas anotações mais técnicas.

             

Conhecer a história. Ler algumas vezes em voz alta e depois abandonar o texto. Dividir a narrativa em sequência de ações, com nomes claros e óbvios. Já estou, de certa forma, fazendo isso quando uso os mapas mentais. Dar cor, cheiro e som à unidade. Estudar separadamente como contar cada unidade e ir juntando todas elas aos poucos.

Ana disse que alguns autores defendem que a matéria prima do contador de histórias é o conto popular e não o conto de autor, ponto final. Ana respeita, discorda e eu também. Esses acadêmicos, catedráticos, cheios de suas teorias, mãos no queixo e análises disso e daquilo... Lembrando Veríssimo e colocando-o neste contexto: “A gramática tem de apanhar todo adia para saber quem é que manda.”. E que a teoria sirva e potencialize a prática sempre.

Muito mais coisa foi dita, decerto, mas Varlei Esquecido deixou de anotar. Vale, contudo, transcrever minha última anotação feita durante a aula:

“Esqueço de anotar pelo magnetismo da professora.”

Era hora de reunirmos em grupo e conversarmos sobre a escolha de nossa história. Tudo estava nebuloso, até que nossa amiga Angélica abriu um de seus livros e nos leu “João Bobão e a Princesa Chifruda.” A história tinha tudo aquilo que procurávamos. E chegamos a um consenso. Não vejo a hora de começar a ensaiar.

Corremos para arrumar as coisas e ir rápido para São Caetano, ouvir a contação de O Grifo, que nossa professora faria no SESC. Antes disso, fomos capturados pelas narrativas de nossos amigos. Duas lindas histórias. “Era disso que eu estava sentindo falta.”, completei. Sugeri que fizéssemos isso todos os sábados, após o curso. Certamente será muito enriquecedor.

Corremos para São Caetano e chegamos em cima da hora para assistir a narração de O Grifo, história que Ana ouviu da mãe, que ouviu da avó, que ouviu da bisavô, que ouviu da tetravó. Linda história, não vou elogiar outra vez, pode parecer que estou puxando demais o saco. Saímos de lá, Raquel, Cláudia e eu, nas nuvens, nem lembrávamos de onde havíamos colocado meu carro, ficamos um bom tempo andando e procurando. Daria uma narrativa atrapalhada. Quem sabe um dia escrevo. Era quase cinco da tarde, hora de almoçar. Almoço tardio, que valeu a pena sê-lo pelo agradável dia que tivemos.

[... e assim foi.]

E segue uma contação de Giba Pedrosa, que todo mundo adora:

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores da Histórias) Aula 6

Havia chegado a hora."O jogo simbólico da criança". Desde a 3ª aula estou esperando o retorno da Maga e minha sede de saber seria saciada. Saí de casa com minha noiva e entupi o carro com minhas expectativas (novamente elas). O caminho pareceu mais curto, nem me lembro da canção que tocava no rádio. Enfim, adentrava o auditório da Hans cheio de brilho nos olhos. Comentei com ela sobre minha ansiedade e ela respondeu dizendo que faria uma experiência. Uauu! Adoro aulas em que o experimentalismo do professor se apresenta. "Eu também sou tão experimental...", pensei. Seria ótimo. 

Para mim era um espetáculo. Pareceu-me ouvir até o terceiro sinal. Falou-se algo sobre Edgard Morin, mas não lembro o que foi. Sei que já ouvi falar muito bem dele, que ele vem sempre ao Brasil, dá palestras no SESC e que é um homem bastante simples. "Da próxima vez tenho de anotar direito", penso agora. 

Começamos com um assunto que já conhecia. Os três níveis, ou três cérebros. Assunto recorrente em meus estudos de PNL e Mecânica Quântica. O assunto não apresentava novidade, embora as informações fossem bastante ricas. Depois, os hemisférios cerebrais, outro assunto que já conhecia e foi bom rever. E, vez por outra, a Maga lançava uma das suas frases mágicas. "O Contador de histórias é o corpo caloso do cérebro". Corpo caloso: parte do cérebro que une o hemisfério direito ao esquerdo. Não vou discorrer aqui sobre a função de cada um. Este registro serve como material de fixação dos conteúdos aprendidos e sobre este já conheço. Talvez precise aprofundar-me um pouco mais, mas hoje, perdoem-me os colegas, optei por fazer uma viagem um tanto diferente em direção ao passado. Até o estilo me foi. E adianto que serei um pouco mais pungente. 


Em dado momento, talvez antes de se falar sobre o cérebro propriamente dito, Eli nos contou que há neurônios também em nosso intestino. "Acho que finalmente entendi por que penso tanta merda.". Disse que seria mais cáustico, não disse?

Mais uma vez fui traído por minhas anotações inespecíficas. Meu caderno diz "História Sujinha da Eli". Lembro que houve uma história, mas não consigo recordar-me dela. Outra vez percebo que os recados da Senhorita Escuta para a Dona Memória devem ser mais específicos.

Um pouco de sono... 

Disse ela: "Estamos criando uma geração de sociopatinhas". Concordo plenamente. Nossas crianças cada vez mais têm dificuldade de viver em comunidade. Filhos únicos, príncipes e princesas mandões, com dragões interiores, impetuosos e ferozes. Que o contador de história possa trazer a coruja adormecida dentro de cada um...

Sono...  

Outras frases importantes ou o que consegui captar delas: 

"Mito e realidade são valores dinâmicos". "O triste é que as religiões tentam a todo o custo transformar o mito em realidade histórica.". E o quão duro é conversar sobre isso com pessoas cujo credo (seja ele qual for) as impeça de discutir o assunto sem gerar conflito ou ruptura. Cada vez mais, assunto complicado. Sei bem... 

Muito sono. Devia ter dormido mais cedo

"Quem fica sem narrativa, cai pelas beiradas da existência humana". Nada mais verdadeiro e poético. "É preciso honrar a criança e o adulto que há em nós." I couldn´t agree more. "Atenção para a radicalização do herói." Vivemos uma sociedade em que o herói e super valorizado, isso talvez também potencialize a hiperatividade da criança. Nunca havia pensado nisso, mas faz sentido. E quem sabe eu ande contribuindo para tal. É algo a se pensar.

Intervalo, comidinha e conversa com os amigos. "Nossa, que salada de frutas bonita." Parei para conversar com alguém e quando voltei "A salada de fruta devia estar boa. Logo acabou..." 

Pós intervalo: Fases do Desenvolvimento da Consciência Individual e Coletiva. Rocambole de Jung, Neuman e Whitmond preparado por Eliana. 

Fase Matriarcal ou Fase Mágica: Até os 4 anos aproximadamente. Tudo gira em torno do mundo da mãe. Relação com os Mitos de Criação. 

Transição ou Fase Mitológica: 4 anos até puberdade. Relação de desejo entre mãe e filho consorte (Sófocles já sabia) e transição para o Politeísmo Patriarcal (Até chegar a um pai celeste e Abstrato)

Patriarcal ou Mental: A partir da Puberdade. Fase Egóica e Mental, onde a mente é o árbitro supremo. Grande repressão de desejos e radicalização do herói.

E já era hora de dar tchau. Um tiquinho de decepção me tomou. Mas e o Jogo Simbólico? E a Psicanálise dos Contos de Fadas? E aquela ideia interessante de que o contador de história precisa conhecer o simbólico da de cada público para escolher melhor a história? Ok, eu entendi as três fases. Mas não há algo mais? Certamente há, mas ficou por nossa conta... 

Lógico. Expectativas foram quebradas. Particularmente, eu teria passado mais superficialmente pelos hemisférios cerebrais a fim de ter um pouco mais de tempo para discutir o jogo simbólico. Vim querendo muito mais, assumo, saio com mais sede. Mas o processo de ensino e aprendizagem tem dessas. Na primeira não esperava muito e foi ótimo, nesta esperava muito mais, porém não foi. A vida é assim. E este registro é apenas uma reflexão pessoal. Não tenho o intuito de julgar a professora. Mas lógico, fui transbordando de ansiedade, e ficou aquele gostinho de "queria mais..." Alguns coleguinhas também.

Depois, antes de irmos ao SESC, uma conversinha com meus parceiros de grupo, gente agradável e paciente, que me ouviu contando a história do "Mendigo Sonhador". A mesma reação de sempre. Fomos então ao SESC, onde comemos uma comidinha deliciosa e depois nos deliciamos com a Contação de nossa Grande professora Simone. E não é que havia uma história parecida com a minha no repertório do dia?

Se ela pode, porque eu não posso, Angélica, Raquel e Adilson? 
huahauhauahuahuahauahuahuahauahuahuahau

E assim foi...

Hoje vou de Rolando Boldrin, com um causo delicioso. Canalha como fui hoje.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) Aula 5


Expectativa

Estado de quem espera algum acontecimento, baseando-se em probabilidades ou na possível efetivação do mesmo.
s.f. Condição de quem espera pela ocorrência de alguma coisa; perspectiva: expectativa de P.ext. Desejo intenso por algo próspero: expectativa de um bom trabalho. 
(Etm. do francês: expectative)
Saí de casa na expectativa por mais uma aula com Eliana Ethie, trouxe comigo minha noiva e minha madrinha de casamento, a quem falei muito sobre a palestra "O jogo simbólico da criança" que teríamos. Quando cheguei,  expectativa quebrada: "Hoje é o Ilan", disseram-me Ana Lu e Tati levantando as sobrancelhas. (Microsegundos de Silêncio) "E agora...?".

A expectativa quebrada lançou em mim certo incômodo. "Droga, devia ter olhado direito o calendário.... Fui tão seduzido pela Maga da Aula 3 que perdi a noção do tempo. Seu poder é incrível ..." pensei. "Bom, seja o que Deus quiser..." Alguns colegas foram chegando e logo demos início às atividades. Ana Lu iniciou a aula, a palestra seria as 11:00.

Lembrou-nos do relatórios, que devem ser entregues até dia 1 de Maio. Falou também sobre a montagem dos grupos, que estava próxima. Comecei a olhar alguns colegas: "Seria legal fazer com fulano...". Quem sabe... Havendo possibilidade, tentaria contato.

Ana iniciou sua fala a respeito da Classificação dos Contos Populares, rede de suporte do pensamento humano. Contadora de Histórias, de avó historiador, Ana Lu nos conduz a sua linha do tempo, contando-nos que as histórias são certamente o embrião da filosofia e da ciência. Adoro essa ideia de ancestralidade, de fazer parte de algo milenar, é minha vontade de querer ser um pouco imortal, principalmente nesses dias em que tive íntimo contato com a Dona Morte e pude perceber o quanto ela nos tira o ar, o quanto de silêncio ela nos traz, um silêncio dorido. Pensando melhor, eterno não; prefiro ser perpétuo em ideias e obras. Como meu pai, que se perpetuou em mim pela poesia que me deixou de amiga. Ele, de pouca instrução, deu-me com sua simplicidade a oportunidade de ser quem hoje sou, através das quadras que escrevia. Perpetuou-se em mim pelo legado. Falarei sobre isso num post diferente desta série em homenagem a ele, que partiu neste domingo. (Tiquinho de suspiro e nó na garganta).

Os mitos, um produto cultural dos povos antigos, buscavam olhar para o mundo com uma lente de aumento, cujo objetivo era explicar os fenômenos inexplicáveis, uma tentativa de entender o cosmos. E os mitos de cada cultura são tão singulares que é bom despir-se da própria cultura a fim de entendê-los sem juízo de valor. Nos mitos indígenas um animal vira índio, vira animal, vira deus, vira índio outra vez e não há problema algum nisso, nem varinha de condão. Não tentemos julgar, nem explicar. Afinal, a beleza de ofício nosso, profissão de fé, é poder transitar por diversas culturas. Assim, podemos, independente de nosso credo, contar contos judeus, africanos, indígenas celtas, sufis, gregos e muito mais.

E aquela lente de aumento, que buscava explicar os mistérios cósmicos, passou a aproximar-se dos comportamentos e do contexto social. Vieram então as fábulas. Mas aos poucos, a lente passou a se aproximar ainda mais e entrou pelo buraco da fechadura da vida para falar dos anseios humanos e das relações afetivas. Todo mundo se identifica com algum conto de fadas. Sua universalidade e suas polaridades de "bem e mal" ajudam-nos não só a nos entender melhor, a buscar forças para nossas realizações, como também trabalham nossas questões mais íntimas. Em pensar que muitas vezes temos certo preconceito com o termo "contos de fadas".

Mas há também aquelas histórias reais, que em certo momento se fundem com a fantasia, de modo fica por vezes difícil discernir entre o real e o ilusório, são as lendas. A lente se torna embaçada. Particularmente gosto muito deste processo de transformação, gosto desta falta de foco da lente. É o humano recriando a vida e a história. Gosto de verdades que viram lendas e se confundem com fantasia. Quero um dia fazer de gente com quem vivi, figuras lendárias de histórias que contarei. E mais uma vez surge-me a intenção de perpetuação.

Hora do café. Uma boa hora para aproximar-me da questão dos grupos. Não deu tempo. Fui chegando perto e ouvi uma voz: "Você já tem grupo?"... "Cara, ia te perguntar isso agora.", respondi. Emaranhamento quântico, inconsciente coletivo, transmimento de pensação ou coisa que o valha. Pouco importa. Adilson era o cara que havia citado a pouco como alguém com quem eu gostaria de trabalhar, levou-me então à presença de duas colegas, cujas afinidades também já havia descoberto. Raquel, nome da minha futura filha, como eu, apaixonada por poesia, Angélica, educadora "teimosa", tentou três vezes participar deste curso. Tudo ocorre na hora certa. Grupo formado e afinado.

Fomos lá para a palestra. Eu rezando para que fosse boa, para que Robi e Carol não ficassem bravas comigo. E foi demais. Ilan começou com uma história: O velho sufi, seu burrico e o assalto. Para mim uma grande reflexão sobre os exemplos e postura. Linda linda linda... Vencer pelo conhecimento. Ganhamos esta história de presente e o mais legal é que ela estará num próximo livro de Ilan. E quem é que não gosta de receber um presente desses?

Ilan ao conversar conosco, nos traz quase ao sofá de sua casa, transforma palestra em bate-papo de amigo, conversa informal que vez por outra ensina mais que academia. "Um educador que não trabalha com histórias está no caminho errado." Estamos então no caminho certo, estamos descobrindo esse mistério.

A prosa tomou o rumo de suas criações e fomos levados ao universo Ilânico, que não retratarei aqui pois encontrei um vídeo com ele mesmo contando como funciona. Muito melhor ele do que eu.




Cabe uma reflexão: Ilan, quero ser como você quando for pai. E tenho dito. 


Interessante como certas coisas têm uma profunda conexão. Uma das leis herméticas diz "O que está em cima é como o que está embaixo. E o que está embaixo é como o que está em cima". Segundo nosso autor, suas histórias se aproximam das pessoas porque observam o microcosmo do seu lar, que vários outros lares, quem sabe todos, e é isso que torna a história universal. Quanto mais micro, mais macro. Partindo da realidade, vai para a ficção, usando tudo que pé significativo. Hermético e quântico.

Outras reflexões levantadas foram que:

"O sofrimento, por vezes, problematiza a existência"

"A blindagem da infância é um desastre. A criança precisa das questões existenciais" 

E a conversa tomou diversos rumos: a ilustração, o processo criativo, questões acerca do racismo presente na obra de Lobato, assunto que me cansa deveras. E começamos a falar de pum. Como sou íntimo desse assunto, chamo-o  naturalmente de peido. Não acho a palavra feia, acho pum um eufemismo às vezes até lírico, mas que não carrega a carga que a ação merece. A falando deles, através do livro "Até as princesas soltam pum" comecei a ficar inspirado. E não foi para escrever. Mas já estava no fim e esperei sair do auditório para soltar alguns. 

Perdoem-me os colegas quem estão lendo, mas como diria Bandeira: 


"Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade." 

Ufa! E assim foi. Voltamos para o carro felizes.Ufa! E as meninas adoraram. Ufa de novo! Baixei o vidro do carro e lá fomos nós discutindo o que ouvimos. Ufa! Ufa! Ufa!





quarta-feira, 17 de abril de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) Aula 4 - Teatro e Narração


Ansioso e atrasado, roupa de guerra e simbora trabalhar. Aula prática: momento de experimentar. Roda de massagem providencial: acordara com dor no pescoço e durante o caminho, senti uma fisgada na coluna. Aquela respirada fundo que alivia, ufa! melhorou!

Percebam que eu já cheguei chegando e história não teve "era uma vez". Assim é, vez por outra, quando a gente tem intimidade. E senti-me bastante íntimo do assunto e da prática da professora Simone Grande (sem trocadilhos).

Nosso nome foi nossa primeira história. Sensacional como cada um coloca um pouco de si nessa curta narrativa. E mais uma vez fica claro: escuta é fundamental. Tudo é possível, qualquer coisa é inaceitável! Como você diz seu nome? Como conta a essa história? É preciso saber como começar.

E assim, fomos aos poucos trocando de lugares, ao falarmos os nomes de nossos parceiros, jogo que há tempo desconheço e que tentei tratar com a humildade da primeira vez. Acho que funcionou, mas é um trabalho constante. Nós, atores, temos o ego lá no alto e ele pode em muito nos prejudicar. Que eu siga trabalhando.

Adorei a versão "Scretch" para um jogo que eu conheço como jogo do Rá!

Sentamos para algo que adoro fazer: ouvir a história do colega. Minha parceira, a Escoteira Maria José, desde que ouvi falar de sua função fiquei bem interessado, afinal, sempre quis ser escoteiro, quando menino. E apesar de saber que ela é Militar, sua voz, seu jeito, seu olhar trazem uma toques e vibrações de grande mãe, com grandes asas, sob as quais abriga seus filhotes. Fica aqui meu desejo, de que ela possa finalmente abraçar seu sonho e vocação: ser professora.

Toma-me um pouquinho de emoção agora ao lembrar de história dela. Emoção que se aflorou com narrativa de colegas, lembro da respiração suspensa de Marcela, do choro incontido de Raquel, e teve mais alguém cujo nome e o momento me foge agora, ficou apenas aquele silêncio de quando as palavras são rasas para profundidade e poesia do então...

Lanche para respirar mais fundo. Banquete do grupo. Bem que avisaram que precisaria de mais tempo.

Ao voltar, leitura de definições no Dicionário Teatral. Gostei muito da definição de Contador. Gostei de saber que o contador é um híbrido de ator, educador e performer, que trabalha voz e mãos nus. Definição e função carregadas e lirismos.

Hora da prática: Uma história e uma missão: Encontrar um trecho onde se possa diferenciar narrador de personagens. Trios e simbora estudar para apresentar. Eu, Mário, Camilo, Nasrudim e o Ovo. Delícia de pesquisa, orientação criteriosa dos colegas. Foram todos apresentar. Lindo era ver como cada um tocava aquela partitura.

No final, devolutiva e uma reflexão: A verdadeira simplicidade cativa o público.

Lembrar sempre de espacializar a história, de tirar seu excesso de fazer um enredo esquemático e um contorno dramático. E sempre ter atenção às escolhas estéticas ao mostrar o personagem.

Saí da aula com uma certeza: meu primeiro espetáculo solo como contador está próximo. Vou colocar tudo o que eu estou aprendendo em prática e vou para cena. E não tarda esta história fazer parte de meus registros.

Segue um vídeo da professora Simone Grande. O áudio não está muito bom, mas elucida muitas questões por ela levantada.

E que venha sábado!


 




quarta-feira, 10 de abril de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) Aula 3


Ela nos queria perto, mais do que isso, próximos, juntos. Rogou praga nas cadeiras do fundo, mas antes pediu que lá não sentássemos. Bruxa não adverte do feitiço que joga, bruxa então não é. Eliana era o nome da Maga que logo via. Iniciou falando-nos de penumbra, palavra que adora, pois nesta condição de "nem escuro, nem claro" é que se encontra o ato de contar histórias. "É ter os pés fincados no território do mistério", disse-nos com os olhos brilhosos.

Apresentou-nos a Tankha, mandala feita de areia por Monges, trabalho que dura horas e logo após seu término é dissolvido. Comparou a feitura da obra que toma horas e horas dos monges ao trabalho dos contadores de histórias, que após a contação dissolvem e desmancham aquele universo, aquela penumbra psíquica, mas que a história permitia um encontro com a sombra, tal qual na Tankha, que representa o eixo do mundo e também apresenta a mesma.

A partir daí, conduziu-nos a um universo fantástico onde a voz dos contadores é capaz de "fazer alma", pois o mundo já tem  muita explicação e nosso compromisso é com o que não é rotina, com o que não é normal, que o mundo está um caos, mas que sempre se encontra ordem em algum lugar (eu cá, sei onde está a ordem que me agrada) e "a gente se torna importante na medida em que se faz o que está convocado a saber".

Com a mesma simpatia do inicio, disse que adorava ser interrompida, que não queria falar o tempo todo sozinha, deixou-nos à vontade para contribuirmos e foi então que a aula se enriqueceu. Foram uma série de inquietações pessoais e coletivas, existenciais, ideológicas, políticas, onde também nossos monstros e sombras foram expostos, mas não são eles os "auxiliares" do herói no cumprimento da jornada?

Foi então que uma frase brotou da boca de um colega, que aprendera com sua mãe a dizer "Para todo mundo a minha cara de alegria, porque ninguém tem nada a ver com a minha dor", frase tornada lei em seu universo corporativo, onde quando indagado através do retórico "Tudo bem?", a resposta vinha também automática "Sempre bem!" Foi lindo ver como a força brota da alma de alguém e a circunstância exige determinada postura. Sou o primeiro a dizer para meus meninos "Hoje não estou bem, preciso de vocês...", pois minha condição me permite. Sou privilegiado. Outras histórias "Sempre bem" nos contou e mesmo que permeada de tristeza, de certa forma tudo terminava mesmo positivamente. 

Perdi já o fio e pensamentos se embaraçam em meio às reflexões e lembranças das palavras da Maga. Falou-se tanto e com tanta qualidade que reviro aqui lembranças e anotações a fim de tornar este meu tecido literal ao menos um pouco compreensível. Afinal, contar histórias é uma busca humana por significados, sempre na iminência de desaparecer em meio ao caos. Quase que texto meu se foi... 

Retomemos: Uma história é uma imagem construída em palavras. Persistiu o momento de fantasia, que sempre "revigora a realidade", nas palavras da mestra, mas acompanhou-me uma sensação de "não estou só", quando falou-se que nas histórias era possível que houvesse violência e morte e trauma, já que não ela não respondia às regras do mundo real, que grande parte dos heróis clássicos eram filhos bastardos, que desconheciam os pais e enfrentavam grande infortúnios para só no fim da jornada descobrirem que os pais eram deuses. O sentimento de libertação veio ao ápice quando discutimos a questão trauma-resiliência. Citei os pedagogismos que me incomodam profundamente quando tudo "vai traumatizar a criança", desde um saci com uma perna, um lobo mau ou um pau que nem pode mais se atirar (metaforicamente) no gato. Nascer é trauma, o ouro é o material mais resiliente do mundo por ter capacidade de resistir a altas temperaturas, não havendo, dessa forma, resiliência sem trauma. E estamos poupando (com a melhor das intenções) as crianças de traumas e frustrações, como então criar resiliência? Ouvi tudo com brilho nos olhos...

"Nunca é cedo para um herói nascer." E o herói está em todo lugar quando o menino do abrigo é capaz de encontrar em sua história elementos presentes nas epopeias, ela finalmente consegue se comunicar com o mundo externo, talvez aí esteja o princípio de uma nova jornada. Talvez. E o contador é isso, essa dobra no tempo, capaz de disseminar na atmosfera um infinito de possibilidades. Dessa forma, o mundo vira um vale de fazer alma, terreno fértil do contador, que semeia e oferece uma overdose de beleza. Quem precisa de drogas com isso? Todo vício é no fundo um desejo de espiritualidade. E há forma mais profunda de se tornar espiritual do que sendo mito de si mesmo? Encontrando sua própria ferida, que é a busca de cada contador, é o que se tenta curar em cada narrar e desenrolar de fios, fatos e narrativas. Mas cada um há de criar sua própria, e desenhar com seus próprios traços a mesma narrativa cujo nome é vida. Afinal, "é arriscado que exista apenas uma versão".

Lá vou eu criar a minha, anotar meus sonhos toda manhã num caderno e dormir sempre após ver uma imagem de um livro de arte. Recomendações da Maga, que venho tentando seguir. Assim como quero ler os livros por ela recomendados.

"O murmúrio dos fantasmas" Boris Cyrulnik

"Quando eu voltar a ser criança" Janusz Korczak

Houve outros também, mas perdi-me em meio às divagações dela. Saí pisando em nuvens, ansioso pelo próximo encontro...


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Contação de Histórias) Aulas 1 e 2

Começo hoje, com três aulas de atraso meu diário de bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias, da Biblioteca Hans Christian Andersen. Assim como fiz em ECOS DO CAT, é mais uma reflexão acerca das atividades do que um resumo das aulas. Dei este nome aos registros que farei por causa do seguinte conto, da mestra Ana Luisa Lacombe, coordenadora do curso.



Aula 1:Aquele frio na barriga, um olhar meio que sem jeito para um ou outro colega, todo mundo um pouco tímido. É o começo, momento de saber um pouco mais sobre como seria o curso, as aulas e os professores que teríamos e ouvimos um pouco das histórias de cada colega de turma, sempre acho maravilhoso este momento.Mais uma vez sinto-me sortudo por estar participando de um cursos com pessoas donas de histórias lindas. Um grupo bastante heterogêneo, com gente de todos os tipos: bancários, professores, bibliotecários, atores, jornalistas, escoteiros, radialistas, conselheiros tutelares, diretores, gente que se encontrou pelo desejo de contar. Aprendamos e contemos!

Aula 2: Origens da Literatura Infantil (Marly Vidal), (O Compenetrado, o Sonolento e o Crítico)

Tudo começou quando três de mim saíram de casa em direção ao curso, após um delicioso café da manhã na padaria. Todos chegaram ao mesmo tempo, vieram de carro, ainda preocupados com o caminho e de olho no GPS, que desta vez não apontou o caminho errado. Chegamos e fomos direto ao auditório. Ana, nossa Mestra, Tati, sua fiel escudeira e Marly Vidal, senhorinha simpática e com ares de sábia já estavam nos aguardando. Ana fez as honras do dia apresentando Marly e os novos alunos da turma, logo depois, Marly iniciava sua aula.

O primeiro de mim gostou do que ouviu: "O professor é sempre um contador de histórias. É também um ator, às vezes frustrado, mas sempre um ator. É um vencedor lá no seu íntimo", O primeiro foi pego pela poesia e embarcou no discurso e na viagem proposta. Ouvi falar de Suassuna, que muito me agrada e do quanto ele é contaminado pela cultura ibérica. "O autor sempre se espelha em algo que já existe para construir seu discurso." Este EU anotou muitas frases no caderno, adoro os "entreaspas": 

" Somos enfeitiçados pela linguagem verbal, mas é ela que permite a expansão do universo"

A esta altura, outro de mim deu o ar de sua graça. O Sonolento, que havia dormido mal, insistia em querer fechar os olhos enquanto o outro, o Compenetrado lutava para permanecer de olhos abertos. Negociamos uma ida ao banheiro, água no rosto e na nuca a fim de acalmarmos o segundo. O que me rendeu ainda alguns minutos de tranquilidade.

Pude perceber como se dá a discriminação no Brasil, que advém das vergonha das origens populares e mestiças, da confusão entre popular e regionalista, palavra que Marly detesta, e a discriminação a autores sem preparo universitário (cada vez mais eu detesto a academia), falou um outro de mim, O Crítico. 

E enquanto eu descobria que a Literatura Infanto Juvenil surgira da cultura popular, mas sem saber ao certo onde se iniciou, o Segundo novamente quis dar o ar da graça, agora vindo para valer. Foi difícil permanecer desperto. Massagem na mão, nos olhos, no rosto, acelera a respiração, aguenta firme aí, companheiro, tenho muito o que aprender. 

O Crítico começou a achar que a professora, o datashow e a projeção poderiam ajudar um pouco, trazendo um pouco mais de emoção àquela história contada. Mas o Sonolento nem aí para a Hora do Brasil, vinha que vinha firme. 

Compenetrado vinha anotando e deparou-se com uma informação interessante: que na literatura infantil são importantes ferramentas os recursos teatrais (os quais adoro), redundâncias, tom exagerado, confidente e cúmplice e que através de numa linguagem acessível, trata de temas humanos e problemas universais, daí sem poderoso alcance. 

O Crítico aumentava seu tom tal qual o Sonolento, embora o Compenetrado seguia anotando, agora sobre os gêneros discursivos. 

O mito explica o inexplicável; A lenda, narrativa comumente em prosa cujo argumento é tirado da tradição oral com forte elementos da fantasia (lemos a letra do Açaí, enquanto O Crítico reclamava de não ter o texto inteiro na tela de projeção.), a fábula, que através da personificação dos animais procura trazer algum ensinamento (vimos várias versões de "A Cigarra e a Formiga", os Contos de fadas, que tratam de problemas existenciais utilizando-se o encantamento e os contos maravilhosos, da mesma família dos contos de fadas, mas que enfatizam o social, através de um cotidiano mágico, enfatizando o material e o sensorial.

A esta hora, os três já estavam num arrancarrabo num pegaprapar danado, mas teve seu fim a aula. Pelo menos, é assim que lembro do final. Pode ser que o Sonolento tenha ganho e em algum momento eu tenha perdido parte da aula ou determinadas informações, se isso ocorreu, terá sido uma pena. O que me  recordo é que levantei-me do auditório levando os três comigo, cada um com um só desejo: O de almoçar, porque já era tarde e o Brinquedo Torto me aguardava em Santo André para mais um final de semana de Gran Circo Pimienta.

E assim foi.