domingo, 23 de junho de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 12

Sábado passado, dia 08 de Junho, aula 11: perdida por causa da minha mudança. Pior mudança da minha vida. Dureza total.

[Foi assim...]

Prólogo ou A Bagunça Interna e Externa que a mudança traz. (Já atrasado por causa da semana de manifestações)

Acordei cedo, banho quente, café na padoca e depois de duas semanas ausente (uma por causa do feriado) lá fui eu no caminho Av. do Estado, Vila Prudente, Anhaia Melo, Salim Farah Maluf e Celso Garcia em direção a mais um dia de curso, agora reta final. Ainda tocado pelos ecos da mudança e bastante cansado, não achei meu caderno. Saudade da bagunça de meu antigo quarto. Essa  nova bagunça está duro de aguentar. Lá fui eu comprar um caderno meia boca de 1,99. Não podia deixar de fazer minhas anotações. São elas que guiam esta narrativa-reflexão. No caminho, encontrei Amanda, que comentou sobre como a aula anterior havia sido legal, mais uma vez fiquei com raiva de não ter vindo. Mas tudo bem, passado é passado. Era hora de aproveitar a aula e o tema do dia:

Os objetos como recursos da narrativa Ou Algum outro título que não sei, pois meu material está na bagunça da mudança. (Arrhhh)
Por Kelly Orassi, dos grupo Trecos e Cacarecos de Teatro de Animação, uma das fundadoras do curso da Hans. 

Kelly contou sobre si própria (adoro ouvir os "De Como me tornei contador"). Achei particularmente linda sua história, pois aconteceu de forma torta e não convencional. Ela, atriz, foi chamada para substituir Giba Pedrosa num congresso internacional de contadores e foi com a cara e a coragem, prometendo fazer uma oficina para desencargo de consciência. Lá para o segundo ou terceiro dia, teve seu parto, dizendo a todos aos prantos que era uma farsa, pois não era contadora e sim atriz. A professora, sua parteira, pegou em sua mão e com a voz doce das sábias disse: "Todos nós somos contadores de histórias...". E ASSIM FOI: Começou sua jornada por esse mundão de narrativas. Hoje é professora de um curso de pós graduação em contação de histórias, pelo qual confesso que me interessei. Teria eu encontrado a pós que eu tanto desejava?

Contar histórias com objetos não é fácil. Nem coisa para um encontro. Advertiu-nos a professora com uma voz meiga e doce. Logo depois, uma risada grave, que levou-me a um distanciamento Brechtiano, já que a risada diferia em muito da voz. Sensacional.

Kelly com simpatia, sorriso de orelha a orelha, voz doce e riso grave alertou-nos que antigamente havia preconceito contra o ator-narrador e que hoje mudou-se o cenário para o oposto, aqueles que não narram de forma "teatral" recebem certo preconceito. É preciso romper com ambos e cada um buscar seu próprio estilo. Levantou-se também uma questão que pode gerar inquietude em muitos de nós: "Por que eu quero contar histórias?". Eu, cá, talvez ainda não tenha claro, embora sinta o que seja. Está ligado com minha missão de vida e minha motivação pessoal: levar encantamento às pessoas. "Contar história e compartilhar experiência", disse ela.

O tema da aula era Objetos, mas Kellly advertiu que a narrativa é a base e que ela dá os recursos que se deve usar. É preciso aprender apenas a andar com o "Olho Virado", descobrir as qualidades expressivas dos objetos e só então, após clara e fixa a narrativa e o que se pretende, buscar os objetos que nos auxiliem a narrar. Porque na verdade, a criança ou o adulto não se apega ao objeto em si, mas a um ponto de interesse na própria história.

O Objeto em si é uma ponte de significação com a história e traz uma carga ancestral que nos ajuda a contar o que há em cada um de nós nas histórias que escolhemos. Diferente do teatro, na narrativa, a história aconteceu em algum lugar e nós podemos ir para lá agora. Esta é a beleza de se narrar, ao meu ver.

Exercício: Cada colega pegou um objeto e fez uma ação. Aos poucos nossos olhos foram virando. O olhar virado, segundo Regina Machado, no Livro Acordais, é um despertar do olhar flexível sobre as coisas. No cotidiano, nosso olhar é funcional, mas precisamos olhar o objeto pensando no que ele pode nos sugerir. Pois na história, a função do objeto é a de surpreender a criança. Para isso, é preciso estar disposto a brincar, e se o outro não entendeu, é preciso deixar mais claro. PNL pura! E no final das contas, nossa brincadeira é casar palavra, gesto e objeto.

Kelly Conta: As três penas - Ela diz que deu tudo errado. E de fato, ocorreram problemas, mas o bonito é ver como a narradora lidou com o inesperado. "Você está bem?" Perguntou ela ao Carretel-Príncipe que manipulava e que por acidente deixou cair. Todos fomos à loucura.

Outro detalhe importante: Quando se conta histórias com objetos, é preciso estar muito atento para o espaço onde se vai contar, pois o objeto precisa estar visível para todos. Afinal, o objeto deve estar a serviço da história e não o contrário. Ser sutil também é importante. Menos é mais. Adoro essa frase.

Fomos então levados a uma experiência fantástica. Descrever um local de nossa infância. Descrevi a primeira casa onde morei de que tenho memória. Foi lindo voltar àquele lugar, a seus tons, suas texturas, vozes e relembrar da D. Maria, portuguesa mal humorada, dona do terreno. Nem eu mesmo lembrava que existiam tantos detalhes naquele local. Neste momento, senti total relação com o que foi proposto pela Leila, ao encarnar a palavra no corpo. Era sensacional ver e ouvir as descrições dos colegas.

E no final, a grande reflexão que o exercício nos trouxe. Os objetos já estão presentes nas histórias. É preciso apenas permitir-se entrar neste mundo. E assim como nos emocionamos com as descrições, estaremos também envolvidos com as histórias que contaremos por este mundo afora. Emocionados, tocados e cheios de lembranças, ouvimos Kelly concluir da forma mais linda e poética possível, com voz doce e riso grave:

"Bem vindos ao passeio com os olhos virados..."

[... e assim foi.]

Segue vídeo de Kelly contando Dom Quixote e utilizando com maestria vários objetos.








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