Fazer teatro é uma aventura incrível. É mergulhar nas ruínas de si mesmo, garimpar emoções, desejos, loucuras, desesperos, desnudar-se e vestir-se mil vezes. Encontrar um "eununcavisto". Ver teatro é nem sempre um deleite. Preciso confessar que por vezes entro em desespero vendo algo que me desagrada (que prefiro aqui não fazer juízo de valor). Muitas vezes me remexo na cadeira, conto refletores, pergunto-me "Mas que diabo estou fazendo aqui?", rezo para acabar e sofro com certas atuações, aquelas que também me desagradam, sofro porque torço sempre pelo ator e quando o vejo errando anseio ou que os erros cessem ou que se tornem impossíveis. E às vezes é só o fim de um espetáculo que põe fim às cagadas de um ator em dia ruim ou ruim por vários dias.
Mas bom mesmo é que nem sempre é assim. Há momentos em que a história contada te toma, o elenco te arrebata, as canções tocadas te embalam, a arte te atravessa e te toca do mais denso ao mais sutil dos corpos. Nesses dias, vale a pena ficar em silêncio, não comentar na hora, deixar a poeira assentar e refletir um pouco mais sobre o que se viu. Nós, gente de teatro, gostamos sempre de dizer algo sobre a peça dos colegas, tecer certa análise e suprir a expectativa e preencher a lacuna deixada pela pergunta de fim de espetáculo: "E aí, o que achou?"
Creio que nem sempre se é possível dizer o que se achou, se bom ou se ruim. Simplesmente porque a palavra só vai até certo limite. Há o que eu costumo chamar de barreira do indizível. Mas nós, gente de teatro, queremos sempre nos comunicar, dizer algo. Não me queiram mal por dizer isso. É da nossa natureza. Assim também sou. E motivado por uma das atrizes, cujos escritos pós apresentação tenho tido a oportunidade de acompanhar, resolvi escrever também, deixar meu "Olha só o que eu achei:"
E começo desde já adiantando o fim: Saí arrebatado, tomado, atravessado, levado à barreira do indizível, da qual tentarei teimosamente retornar para imprimir minhas modestas e carinhosas impressões sobre a Montagem de Formatura da Turma 49 de Teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul; vulgo Bagaceiras.
Mas bom mesmo é que nem sempre é assim. Há momentos em que a história contada te toma, o elenco te arrebata, as canções tocadas te embalam, a arte te atravessa e te toca do mais denso ao mais sutil dos corpos. Nesses dias, vale a pena ficar em silêncio, não comentar na hora, deixar a poeira assentar e refletir um pouco mais sobre o que se viu. Nós, gente de teatro, gostamos sempre de dizer algo sobre a peça dos colegas, tecer certa análise e suprir a expectativa e preencher a lacuna deixada pela pergunta de fim de espetáculo: "E aí, o que achou?"
Creio que nem sempre se é possível dizer o que se achou, se bom ou se ruim. Simplesmente porque a palavra só vai até certo limite. Há o que eu costumo chamar de barreira do indizível. Mas nós, gente de teatro, queremos sempre nos comunicar, dizer algo. Não me queiram mal por dizer isso. É da nossa natureza. Assim também sou. E motivado por uma das atrizes, cujos escritos pós apresentação tenho tido a oportunidade de acompanhar, resolvi escrever também, deixar meu "Olha só o que eu achei:"
E começo desde já adiantando o fim: Saí arrebatado, tomado, atravessado, levado à barreira do indizível, da qual tentarei teimosamente retornar para imprimir minhas modestas e carinhosas impressões sobre a Montagem de Formatura da Turma 49 de Teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul; vulgo Bagaceiras.
Desde a fila de entrada, esticava meus olhos para dentro do Teatro Timochenco Wehbi a fim de ver como estava o já famoso "teatro em reforma", que muito deu o que falar, e muita inquietação, dor de cabeça e desespero deve ter causado em toda equipe. Entrei ainda observando cuidadosamente, cumprimentei um dos atores, morrendo de medo de desconcentrá-lo e logo deparei-me com Sérgio Azevedo, diretor do espetáculo, meu antigo professor, que recebeu-me com um abraço carinhoso acompanhado de uma frase ao pé do ouvido: "Bem vindo aos escombros..."
Não tive a dimensão do que ouvia no exato momento. Apenas sentei em minha cadeira e contemplei a imagem daquele teatro onde passei tanto tempo da minha vida. Pela primeira vez o vi completamente nu. Percebi-o mais profundo e mergulhei profundamente em mim mesmo. Aos poucos, eu mesmo também seria desnudado. Eram os escombros de meu próprio ser. A história de um diretor falecido vinha sendo contada, costurada por cenas de textos clássicos, escolhidos pelas próprias atrizes e costurados magistralmente pelas mãos de Celso Correia Lopes, bordador de primeira.
Pensei: "Minha nossa! Será que um dia meus alunos terão uma visão parecida de mim mesmo?" Vi naquele diretor descrito um pouco de cada diretor que tive e um pouco de mim mesmo refletido neles. Percebi como sou fruto da formação que tive e dos professores que me conduziram no caminho. E tive orgulho de tê-los conhecido, de ter sentido raiva, discordado, concordado e embarcado no que me propunham. Senti vontade de ter sido melhor aluno, ator mais preciso e mais dedicado às vezes. Lembranças e mais lembranças que brotavam daquele teatro em ruínas, fastasminhas camaradas e assombrações daquele palco me visitavam. Minha nossa!
Num teatro virado do avesso, vi toda uma Escola posta de ponta cabeça, quarenta e nove turmas, nem sei quantos alunos, histórias e memórias reviradas por um grupo de atores que também virou-se do avesso a fim de encontrar seu próprio chão, engolido pela draga do descaso pela arte, pelo profissional de arte, pela cultura e pela educação genuína (arte de qualidade). Coisas de gente que fica atrás de uma mesa a dar canetadas e que nada entende de gente.
Sempre digo que as dificuldades desse nosso fazer artístico tornam as vitórias ainda mais saborosas. Para a turma 49, a vitória vem não só do "conseguir finalmente apresentar", mas do poder que se evocou com as agruras de não se ter sequer local, data, e da única certeza de uma Não-estreia e uma Não-temporada há pouquíssimo tempo atrás. Evocou-se Dionísio e todas as outras divindades. Fantasmas daquele e de outros teatros lá estavam certamente, tal qual as 48 turmas antecessoras que também ali estavam.
Diz-se no programa que aquele espetáculo encerrava um ciclo da geração 40. Ledo engano. Encerra-se a meu ver um ciclo de 4 gerações. E mesmo que o teatro desabasse ao fim da temporada, dia 13 de Outubro (o que espero sinceramente que não ocorra), seria o fim mais lindo e mais poético que uma turma poderia dar a um teatro utilizado desde sabe lá quando e que na minha época, dizia-se que fora construído envolta do Seu Zé, antigo porteiro daquela época. É ciclo finalizado e aquelas paredes se manterão de pé, pela força e luta dos profissionais e alunos que ali estão. Novo ciclo se iniciará com a turma 50, com legado deixado por esse núcleo corajoso de cinco atrizes e um ator convidado generoso e cuidadoso com as colegas.
E a mim, uma série de reflexões e sons ainda ecoam aqui dentro. Acho que finalmente também concluí um ciclo. Hoje compreendo o legado e a importância da Fundação das Artes na minha vida. Legado e importância que muitas vezes reneguei, como um filho adolescente renega mãe e pai, mas que se arrepende e se redime depois de velho dizendo: "Hoje sou pai e posso te entender melhor. Me perdoe." Por tudo o que vi, por aquele palco desnudo, por toda a história revirada e por ver Marcella Silveira, uma atriz que vi nascer e com quem tive a honra de trabalhar, desabrochando lindamente e concluindo sua formação. Atriz que foi do Brinquedo Torto e que carinhosamente considero de certa forma "cria minha". Primeira atriz a passar pelo grupo que dirijo há cinco anos a concluir sua formação. Atriz com A maiúsculo, gigante, monstruosa e segura. Belíssimo trabalho que muito me orgulha e que me fazia olhar para ela com olhares de pai ao fim do espetáculo. Olhar de pai babão ao ver que a menininha cresceu. Orgulho maior. E aqui, finalmente atinjo a barreira do indizível. Não havendo mais o que se dizer, só o que sentir.
E como diria Shakespeare: "O resto é silêncio...". Final clichê, mas sincero e verdadeiro.
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