domingo, 10 de novembro de 2013

Descrente, desiludido e desanimado

Nunca consegui fazer um diário. Muitas vezes quis em minha adolescência fazê-lo, mas esbarrava em dois problemas: 1: nunca fui muito caprichoso; 2: nunca tive muita disciplina. Com a vinda da internet e o aparecimento dos blogs, logo ingressei nesse mundo. Tive e tenho vários blogs. Este aqui, meu blog pessoal, mantenho-o desde o final de 2007. Antes havia outros que eu não sei onde foram parar. Chegaram então as redes sociais e o facebook tomou o espaço deles como o meio onde mais se publica informações pessoais e até eu costumo publicar mais coisas lá do que aqui. Sinto, porém, que para algumas coisas, o facebook não é a melhor das ferramentas pois expõe demais a vida e tudo o que é dito fica instantaneamente visível a todos. 

E às vezes sinto a necessidade de deixar algo registrado, quase de manter um diário. Vez por outra eu volto para reler e este espaço é o ideal para isso, pois o que posto aqui, não divulgo constantemente e só encontra quem o garimpa. Para desabafar é um lugar muito melhor do que a porta aberta que é o face. E certas vezes preciso desabafar, deixar organizado meu material e, ao mesmo tempo, evitar que muita gente leia. Poderia até deixar este blog fechado, mas também não é este o propósito. Não é que não quero que ninguém o leia. Quero que poucas pessoas o vejam. Quem escreve, mesmo que negue, sempre pressupõe um leitor, mas ás vezes prefiro deixar essas reflexões para aqueles que a procurarem. E vamos a elas:

Não ando bem, não ando num momento muito bom. O ano tem sido bastante positivo, embora ano ímpar (sempre tenho problemas com eles), mas recentemente, há mais ou menos uns 20 dias, as coisas, pelo que parece, deram uma bagunçada feia. Ando meio descrente de algumas pessoas, de mim mesmo e do trabalho que faço. Volto a pensar que talvez ele não tenha tanta importância assim. Por mais que eu me esforce, me estrague, estoure, parece que a maioria das pessoas simplesmente não se importa. Se eu parasse hoje com tudo, faria mesmo falta? Volto a pensar que não... Às vezes fico pensando que vivo uma mentira. Que o que prego e idealizo em meu trabalho é uma ilusão. Que o "Preciso de você.", "Pode contar comigo" é nada mais do que frase vazia, repetida sem sentido e valor.

Mas não posso parar... simplesmente não posso, infelizmente. E quando preciso ficar melhor, as coisas pioram.

Sei que muita gente acaba encontrando meu blog por pesquisar Mecânica Quântica e Ressonância Harmônica. Creio em tudo o que digo numa postagem anteriores, mas sou humano e nem sempre consigo manter toda a positividade. Fazer o quê?

Tudo o que queria era parar tudo neste exato momento. Parar com todos os ensaios, todos os projetos, todas as aulas e sumir para uma praia, para o meio do mato ou para dentro de uma caverna ou buraco. Mas se eu não posso, vou ficar aqui e seguir fazer o que é necessário, mesmo descrente, desiludido e desanimado.

Assim foi... 


domingo, 8 de setembro de 2013

Impressões: Antes que tudo se acabe

Fazer teatro é uma aventura incrível. É mergulhar nas ruínas de si mesmo, garimpar emoções, desejos, loucuras, desesperos, desnudar-se e vestir-se mil vezes. Encontrar um "eununcavisto". Ver teatro é nem sempre um deleite. Preciso confessar que por vezes entro em desespero vendo algo que me desagrada (que prefiro aqui não fazer juízo de valor). Muitas vezes me remexo na cadeira, conto refletores, pergunto-me "Mas que diabo estou fazendo aqui?", rezo para acabar e sofro com certas atuações, aquelas que também me desagradam, sofro porque torço sempre pelo ator e quando o vejo errando anseio ou que os erros cessem ou que se tornem impossíveis. E às vezes é só o fim de um espetáculo que põe fim às cagadas de um ator em dia ruim ou ruim por vários dias.

Mas bom mesmo é que nem sempre é assim. Há momentos em que a história contada te toma, o elenco te arrebata, as canções tocadas te embalam, a arte te atravessa e te toca do mais denso ao mais sutil dos corpos. Nesses dias, vale a pena ficar em silêncio, não comentar na hora, deixar a poeira assentar e refletir um pouco mais sobre o que se viu. Nós, gente de teatro, gostamos sempre de dizer algo sobre a peça dos colegas, tecer certa análise e suprir a expectativa e preencher a lacuna deixada pela pergunta de fim de espetáculo: "E aí, o que achou?"

Creio que nem sempre se é possível dizer o que se achou, se bom ou se ruim. Simplesmente porque a palavra só vai até certo limite. Há o que eu costumo chamar de barreira do indizível. Mas nós, gente de teatro, queremos sempre nos comunicar, dizer algo. Não me queiram mal por dizer isso. É da nossa natureza. Assim também sou. E motivado por uma das atrizes, cujos escritos pós apresentação tenho tido a oportunidade de acompanhar, resolvi escrever também, deixar meu "Olha só o que eu achei:"

E começo desde já adiantando o fim: Saí arrebatado, tomado, atravessado, levado à barreira do indizível, da qual tentarei teimosamente retornar para imprimir minhas modestas e carinhosas impressões sobre a Montagem de Formatura da Turma 49 de Teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul; vulgo Bagaceiras. 

Desde a fila de entrada, esticava meus olhos para dentro do Teatro Timochenco Wehbi a fim de ver como estava o já famoso "teatro em reforma", que muito deu o que falar, e muita inquietação, dor de cabeça e desespero deve ter causado em toda equipe. Entrei ainda observando cuidadosamente, cumprimentei um dos atores, morrendo de medo de desconcentrá-lo e logo deparei-me com Sérgio Azevedo, diretor do espetáculo, meu antigo professor, que recebeu-me com um abraço carinhoso acompanhado de uma frase ao pé do ouvido: "Bem vindo aos escombros..." 

Não tive a dimensão do que ouvia no exato momento. Apenas sentei em minha cadeira e contemplei a imagem daquele teatro onde passei tanto tempo da minha vida. Pela primeira vez o vi completamente nu. Percebi-o mais profundo e mergulhei profundamente em mim mesmo. Aos poucos, eu mesmo também seria desnudado. Eram os escombros de meu próprio ser. A história de um diretor falecido vinha sendo contada, costurada por cenas de textos clássicos, escolhidos pelas próprias atrizes e costurados magistralmente pelas mãos de Celso Correia Lopes, bordador de primeira. 

Pensei: "Minha nossa! Será que um dia meus alunos terão uma visão parecida de mim mesmo?" Vi naquele diretor descrito um pouco de cada diretor que tive e um pouco de mim mesmo refletido neles. Percebi como sou fruto da formação que tive e dos professores que me conduziram no caminho. E tive orgulho de tê-los conhecido, de ter sentido raiva, discordado, concordado e embarcado no que me propunham. Senti vontade de ter sido melhor aluno, ator mais preciso e mais dedicado às vezes. Lembranças e mais lembranças que brotavam daquele teatro em ruínas, fastasminhas camaradas e assombrações daquele palco me visitavam. Minha nossa!

Num teatro virado do avesso, vi toda uma Escola posta de ponta cabeça, quarenta e nove turmas, nem sei quantos alunos, histórias e memórias reviradas por um grupo de atores que também virou-se do avesso a fim de encontrar seu próprio chão, engolido pela draga do descaso pela arte, pelo profissional de arte, pela cultura e pela educação genuína (arte de qualidade). Coisas de gente que fica atrás de uma mesa a dar canetadas e que nada entende de gente.

Sempre digo que as dificuldades desse nosso fazer artístico tornam as vitórias ainda mais saborosas. Para a turma 49, a vitória vem não só do "conseguir finalmente apresentar", mas do poder que se evocou com as agruras de não se ter sequer local, data, e da única certeza de uma Não-estreia e uma Não-temporada há pouquíssimo tempo atrás. Evocou-se Dionísio e todas as outras divindades. Fantasmas daquele e de outros teatros lá estavam certamente, tal qual as 48 turmas antecessoras que também ali estavam.

Diz-se no programa que aquele espetáculo encerrava um ciclo da geração 40. Ledo engano. Encerra-se a meu ver um ciclo de 4 gerações. E mesmo que o teatro desabasse ao fim da temporada, dia 13 de Outubro (o que espero sinceramente que não ocorra), seria o fim mais lindo e mais poético que uma turma poderia dar a um teatro utilizado desde sabe lá quando e que na minha época, dizia-se que fora construído envolta do Seu Zé, antigo porteiro daquela época. É ciclo finalizado e aquelas paredes se manterão de pé, pela força e luta dos profissionais e alunos que ali estão. Novo ciclo se iniciará com a turma 50, com legado deixado por esse núcleo corajoso de cinco atrizes e um ator convidado generoso e cuidadoso com as colegas.

E a mim, uma série de reflexões e sons ainda ecoam aqui dentro. Acho que finalmente também concluí um ciclo. Hoje compreendo o legado e a importância da Fundação das Artes na minha vida. Legado e importância que muitas vezes reneguei, como um filho adolescente renega mãe e pai, mas que se arrepende e se redime depois de velho dizendo: "Hoje sou pai e posso te entender melhor. Me perdoe." Por tudo o que vi, por aquele palco desnudo, por toda a história revirada e por ver Marcella Silveira, uma atriz que vi nascer e com quem tive a honra de trabalhar, desabrochando lindamente e concluindo sua formação. Atriz que foi do Brinquedo Torto e que carinhosamente considero de certa forma "cria minha". Primeira atriz a passar pelo grupo que dirijo há cinco anos a concluir sua formação. Atriz com A maiúsculo, gigante, monstruosa e segura. Belíssimo trabalho que muito me orgulha e que me fazia olhar para ela com olhares de pai ao fim do espetáculo. Olhar de pai babão ao ver que a menininha cresceu. Orgulho maior. E aqui, finalmente atinjo a barreira do indizível. Não havendo mais o que se dizer, só o que sentir.

E como diria Shakespeare: "O resto é silêncio...". Final clichê, mas sincero e verdadeiro. 

domingo, 23 de junho de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 12

Sábado passado, dia 08 de Junho, aula 11: perdida por causa da minha mudança. Pior mudança da minha vida. Dureza total.

[Foi assim...]

Prólogo ou A Bagunça Interna e Externa que a mudança traz. (Já atrasado por causa da semana de manifestações)

Acordei cedo, banho quente, café na padoca e depois de duas semanas ausente (uma por causa do feriado) lá fui eu no caminho Av. do Estado, Vila Prudente, Anhaia Melo, Salim Farah Maluf e Celso Garcia em direção a mais um dia de curso, agora reta final. Ainda tocado pelos ecos da mudança e bastante cansado, não achei meu caderno. Saudade da bagunça de meu antigo quarto. Essa  nova bagunça está duro de aguentar. Lá fui eu comprar um caderno meia boca de 1,99. Não podia deixar de fazer minhas anotações. São elas que guiam esta narrativa-reflexão. No caminho, encontrei Amanda, que comentou sobre como a aula anterior havia sido legal, mais uma vez fiquei com raiva de não ter vindo. Mas tudo bem, passado é passado. Era hora de aproveitar a aula e o tema do dia:

Os objetos como recursos da narrativa Ou Algum outro título que não sei, pois meu material está na bagunça da mudança. (Arrhhh)
Por Kelly Orassi, dos grupo Trecos e Cacarecos de Teatro de Animação, uma das fundadoras do curso da Hans. 

Kelly contou sobre si própria (adoro ouvir os "De Como me tornei contador"). Achei particularmente linda sua história, pois aconteceu de forma torta e não convencional. Ela, atriz, foi chamada para substituir Giba Pedrosa num congresso internacional de contadores e foi com a cara e a coragem, prometendo fazer uma oficina para desencargo de consciência. Lá para o segundo ou terceiro dia, teve seu parto, dizendo a todos aos prantos que era uma farsa, pois não era contadora e sim atriz. A professora, sua parteira, pegou em sua mão e com a voz doce das sábias disse: "Todos nós somos contadores de histórias...". E ASSIM FOI: Começou sua jornada por esse mundão de narrativas. Hoje é professora de um curso de pós graduação em contação de histórias, pelo qual confesso que me interessei. Teria eu encontrado a pós que eu tanto desejava?

Contar histórias com objetos não é fácil. Nem coisa para um encontro. Advertiu-nos a professora com uma voz meiga e doce. Logo depois, uma risada grave, que levou-me a um distanciamento Brechtiano, já que a risada diferia em muito da voz. Sensacional.

Kelly com simpatia, sorriso de orelha a orelha, voz doce e riso grave alertou-nos que antigamente havia preconceito contra o ator-narrador e que hoje mudou-se o cenário para o oposto, aqueles que não narram de forma "teatral" recebem certo preconceito. É preciso romper com ambos e cada um buscar seu próprio estilo. Levantou-se também uma questão que pode gerar inquietude em muitos de nós: "Por que eu quero contar histórias?". Eu, cá, talvez ainda não tenha claro, embora sinta o que seja. Está ligado com minha missão de vida e minha motivação pessoal: levar encantamento às pessoas. "Contar história e compartilhar experiência", disse ela.

O tema da aula era Objetos, mas Kellly advertiu que a narrativa é a base e que ela dá os recursos que se deve usar. É preciso aprender apenas a andar com o "Olho Virado", descobrir as qualidades expressivas dos objetos e só então, após clara e fixa a narrativa e o que se pretende, buscar os objetos que nos auxiliem a narrar. Porque na verdade, a criança ou o adulto não se apega ao objeto em si, mas a um ponto de interesse na própria história.

O Objeto em si é uma ponte de significação com a história e traz uma carga ancestral que nos ajuda a contar o que há em cada um de nós nas histórias que escolhemos. Diferente do teatro, na narrativa, a história aconteceu em algum lugar e nós podemos ir para lá agora. Esta é a beleza de se narrar, ao meu ver.

Exercício: Cada colega pegou um objeto e fez uma ação. Aos poucos nossos olhos foram virando. O olhar virado, segundo Regina Machado, no Livro Acordais, é um despertar do olhar flexível sobre as coisas. No cotidiano, nosso olhar é funcional, mas precisamos olhar o objeto pensando no que ele pode nos sugerir. Pois na história, a função do objeto é a de surpreender a criança. Para isso, é preciso estar disposto a brincar, e se o outro não entendeu, é preciso deixar mais claro. PNL pura! E no final das contas, nossa brincadeira é casar palavra, gesto e objeto.

Kelly Conta: As três penas - Ela diz que deu tudo errado. E de fato, ocorreram problemas, mas o bonito é ver como a narradora lidou com o inesperado. "Você está bem?" Perguntou ela ao Carretel-Príncipe que manipulava e que por acidente deixou cair. Todos fomos à loucura.

Outro detalhe importante: Quando se conta histórias com objetos, é preciso estar muito atento para o espaço onde se vai contar, pois o objeto precisa estar visível para todos. Afinal, o objeto deve estar a serviço da história e não o contrário. Ser sutil também é importante. Menos é mais. Adoro essa frase.

Fomos então levados a uma experiência fantástica. Descrever um local de nossa infância. Descrevi a primeira casa onde morei de que tenho memória. Foi lindo voltar àquele lugar, a seus tons, suas texturas, vozes e relembrar da D. Maria, portuguesa mal humorada, dona do terreno. Nem eu mesmo lembrava que existiam tantos detalhes naquele local. Neste momento, senti total relação com o que foi proposto pela Leila, ao encarnar a palavra no corpo. Era sensacional ver e ouvir as descrições dos colegas.

E no final, a grande reflexão que o exercício nos trouxe. Os objetos já estão presentes nas histórias. É preciso apenas permitir-se entrar neste mundo. E assim como nos emocionamos com as descrições, estaremos também envolvidos com as histórias que contaremos por este mundo afora. Emocionados, tocados e cheios de lembranças, ouvimos Kelly concluir da forma mais linda e poética possível, com voz doce e riso grave:

"Bem vindos ao passeio com os olhos virados..."

[... e assim foi.]

Segue vídeo de Kelly contando Dom Quixote e utilizando com maestria vários objetos.








quinta-feira, 30 de maio de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 10

A PALAVRA ENCARNADA DO CORPO DO CONTADOR
Leila Garcia (Bailarina, Atriz e Contadora de Histórias)

POLÊMICA! POLÊMICA! POLÊMICA!

A parábola do lápis


Um fabricante de lápis disse a cada um de seus lápis, numa reunião:
"Existem cinco coisas que vocês precisam saber antes de eu lhes enviar para o mundo. Lembrem-se sempre delas, e se tornarão os melhores lápis que puderem ser.

Primeira: Vocês poderão fazer grandes coisas, mas só se vocês permitirem-se estar seguros na mão de alguém.
Segunda: Vocês experimentarão um doloroso processo toda vez que forem afiados, mas precisarão passar por isso se quiserem se tornar lápis melhores.
Terceira: Vocês têm a habilidade de corrigir qualquer mal-entendido que porventura ocasionem.

Quarta: Sua parte mais importante sempre estará do lado de dentro.

Quinta: Não importa a condição, vocês devem continuar a escrever. Além disso, vocês devem sempre deixar uma marca clara e legível, não importa o quão difícil seja a situação."

Todos os lápis entenderam, prometendo lembrar-se sempre; entraram em sua respectiva caixa compreendendo completamente o propósito de seu fabricante.

Autor desconhecido

[Foi assim...]

HORA DE SER AFIADO, APONTADO!

Leila iniciou contando sua própria história, sua formação como bailarina, que logo a fez conhecer o teatro, migrar para esta área e aos poucos conhecer a cultura africana, a Antroposofia e a Pedagogia Waldorf. Algumas pessoas já comentaram sobre este tipo de pedagogia e após assistir a alguns vídeos no Youtube, me interesse aumentou mais ainda. 

E sai uma pérola, aquelas frases, que me fazem abaixar a cabeça com pressa em direção ao caderno para anotar e não esquecer mais. "Professor é uma coisa, Mestre é outra." De fato é. É este o caminho do qual estou em busca. Acho que sempre estive, mas hoje tenho certeza em cada átomo de meu corpo. 

"A palavra não está na boca. Ela é o ser humano". A partir desta afirmação, fomos conduzimos a (re)descobrir o corpo que somos, do qual muitas vezes só nos lembramos porque dói, ou porque estamos cansados, fomos instigados e provocados a descobrir o corpo da palavra, a palavra do corpo ou corpalavra, reflexões minhas. 

E toda Professora de Expressão Corporal tem Rigidez como sobrenome, não é mesmo Tica Lemos e Lídia Zózima e Alessandra Fioravanti? Cada uma a sua forma, mas a mesma essência de "Vamos lá, sem corpo mole!", para quem não conhece é assustador. Felizmente estou vacinado, as broncas de Tica, que já me fizeram chorar valeram muito. Afinal, "há que se ralar muito para encontrar seu próprio caminho." Leila veio nos trazer isso e não foi fácil. 

Atenção para a postura, pés paralelos, quadril encaixado, direciona a tíbia para a frente para evitar a hiperextensão do joelho, não sabia dessa: Perfeito! Um pouco mais, flexiona os joelhos várias vezes, deixa o corpo pronto, deixa vibrar, prontidão pura. Coreografia em circulo "Tere, tere, tere, tere... põe a mão no ombro do colega... Tere, tere, tere, tere...". Atingimos a experiência através do trabalho. 

E novamente a Síndrome da 5ª D. É burburinho, falação, piadinha jocosa, pouca escuta e pouca atenção a si próprio. Fica difícil, e com uma professora mais rígida é cutucar onça com vara curta. Começou a pesar. Sei que as questões corporais geram muito bloqueio, assim  também é comigo, mas é preciso boa vontade e coração aberto para superar as dificuldades. Não é isso que vivemos dizendo a nossas crianças? Mais uma vez me imagino sendo observado por meus alunos. Preciso ser como sempre exijo que sejam. 

Deixa o corpo expressar, não barra ou sabota o processo. "Vivemos num mundo muito cabeção. E quando se pensa muito, se pensa mal." PER FEI TO. E não bastasse isso, ouço mais uma. "Temos que dar na escola uma educação corporal, porque ela por si só já é uma educação dos sentidos." ÊXTASE: É NESTA EDUCAÇÃO QUE ACREDITO E É ELA QUE VENHO TENTADO DESENVOLVER NOS ÚLTIMOS ANOS"

Pausa para o café!

Parte 2 - Juntando tudo ou Saindo da Zona de Conforto ou Hora da Verdade ou O quanto de feedback você é capaz de suportar?

"Somos um corpo que narra". Ao narrar, é preciso ver o filme da história em sua tela mental e corporificar o que for preciso. "Quando movimentar-se conectar-se com seu centro." Alguns exercícios, novamente a Polêmica do Ser Ou Não Ser o  Personagem. E foi nessa hora que senti certo clima de animosidade entre alguns colegas de turma e professora. Leila tem suas convicções a as apresenta com energia, o vigor de seu corpalavra incomoda alguns. 

Durante um exercício, Leila age como diretora mandaando voltar, corrige, aponta, não é fácil, sei bem. Alguns colegas, sem terem tido essa experiência sentem-se desconfortáveis, o consciente barra, a situação piora um pouco mais. Argumentos daqui e dali, não cabe aqui juízo de valor de minha parte, entendo a dificuldade dos colegas, embora certa abertura para ouvir ou como diria Tica "Abre um HD novo aí dentro para a informação que está chegando..." podem ajudar muito. Leila também não é um doce, tem a rigidez das bailarinas, mas "disciplina é liberdade.". Alguns colegas se incomodam e já motivados pela pressa do horário estourado deixam a sala. A conversa continua, exercício também. E se antes fora parado no meio para correção, segue até seu fim. Considerações sobre a coerência da narrativa e a diluição do corpo no ato de narrar continuam colocando o dedo na ferida. Mas só crescemos quando somos colocados diante de conflitos e adversidades, zona de conforto é uma merda. Só eu sei o quanto sofri com alguns professores e hoje lhes sou extremamente grato, por tudo até pelos  seus desacertos. 

Até que ponto, nós enquanto contadores estamos com a escuta apurada, para ouvir o outro, o professor, o colega a agir e experienciar os ensinamentos que nos forem passados olhando para dentro e não fazendo piada dos outros e esquecendo de si próprios? E é completamente compreensível que se tenha dificuldades, que se sofra com as correções, precisamos ser apontados e dói, sei. Mas podemos fazer coisas incríveis se estivermos seguros nas mãos de alguém e sabemos que podemos apagar e corrigir o que fizermos. E que venham outros apontadores. De minha parte, estou pronto! Que saiamos deste aquário individual e enxergamos o mundo lá de fora. Mesmo que o nos corrijam com rigidez e vigor. 


E infelizmente precisei sair antes do fim, uma noite mal dormida, a fome, um trabalho que faria no sábado à noite motivaram minha saída. No almoço, sushi e sashimi regados a uma conversa maravilhosa com meu parceiro de grupo: o grande e genial Adilson França. 

[... e assim foi.]

Segue um vídeo sobre pedagogia Waldorf, que andei pesquisando. Estou cada vez mais interessado por isso.



Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 9

REGISTRO ATRASADO!
(O Mês de maio anda corrido)


OS RECURSOS VOCAIS NO CONTAR (VOZ FALADA) 
Viviane Barrichelo

[Foi assim:]

Cheguei atrasado, nobre causa: Estréia do Núcleo 2 do Brinquedo Torto no Dia da Família do Colégio Central Casa Branca. Estréia e grupo novo é sempre aquela magia, aquele pisar nas nuvens, aquele dirigir com a cabeça não sei onde. Foi assim que cheguei à Biblioteca Hans Christian Andersen. Não sei o quanto consegui assimilar do que fazíamos e o que eu perdi, mas vamos lá. 

Quando adentrei à sala, falava-se das pausas que podem, entre muitas ações podem indicar lógica, dando sentido ao texto, serem psicológicas, causando efeitos ou serem apenas roubadas de ar. "Descubra a pontuação da história", dizia a simpática Viviane. É muito importante fazer as divisões de sentido, trabalho parecido com o de decoupagem de texto que fazemos no teatro. 

(Mas que beleza a apresentação, como é bom estar com aqueles meninos...) Opa! Volta para a aula, cabeça de Vento! 

Tom e frequência: Encontrar seu tom de partida, tom confortável, compatível com a fala do dia-dia, tom que pode ser alterado ou modificado durante a narração, mas com cautela. "Aprecie com moderação!" (Tela Azul) "Agravar demais ou agudizar demais pode prejudicar a saúde!" 

Vários exercícios de leitura e intenção, toda a turma experimentando suas próprias possibilidades vocais. Bonito ver como cada um encontra forma de soar seu próprio instrumento. 

Envelhecimento: Quando envelhecemos, vovôs ficam com a voz mais aguda; vovós, mais graves. bonito pensar nisso! 

(Quanta emoção vivi hoje, ainda estou com vontade de chorar...) Planeta Terra chamando! Planeta terra chamando! 

Às vezes, para mudar o tom não é preciso grande esforço, só mudar a posição dos ressonadores: bico ou sorriso mudam o tom. Uma única voz traz uma infinidade de recursos e efeitos. O texto, e os elementos nele presentes é que determinam a voz que você utiliza. Mais uma vez recupero coisas que já havia visto no teatro. Atenção para as nuances, que colorem o texto e para sua curva melódica. É isso que encanta em bons contadores e atores. 

Durante a oficina, Viviane nos presenteou com histórias interessantes, as quais quero pesquisar. Aqui estão algumas:

Janjão e Pinote 

Topeira com cocô na cabeça

TV e o Menino

E já era tempo de encerrar a oficina. Para mim, foi curto, meu registro também. Gostei muito do trabalho vocal desta contadora. É uma voz mais agudizada, mas a meu ver, muito bem colocada.

[... e assim foi.]

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Tempo de Escola - Teatro Maluco e Duas Faces.


Desperta o relógio às 6:10 da manhã. "Só mais 10, 15, não mais que 20 ou 30 minutos... Pera aí: hoje é quarta-feira, dia de transbordar o coração, dia de sorrisos abertos e abraços apertados; dia de brilho nos olhos, de se sentir amado, de aproveitar cada minuto e ter a sensação de que você é útil e faz alguma coisa por esse mundo." Pega então seu carro, enfrenta um trânsito danado, vem cantando, ouvindo notícias e relembrando o que planejou que o tempo passa voando. E começa, logo termina, almoça, começa de novo e logo termina outra vez. Tudo passa tão rápido quando estou com vocês. O tempo voa, não vejo e não faço metade do que queria, porque tudo rende muito. E numa roda despretensiosa na penumbra de uma pequena sala é que a magia acontece. Alguém propõe um carinho, um afago em forma de canção, que vira coro. Um coro de vozes cheias de pureza e doçura cantando "Se todos fossem iguais a você...". Silêncio, mão na cabeça, "Sério que é pra mim isso? Obrigado, Você Aí de Cima, obrigado por me colocar diante de gente tão linda, tão especial, que transborda amor e faz da minha quarta um dia muito feliz. Que eu possa retribuir metade do que recebo... Obrigado, muito obrigado e só." E mesmo eu, que faço os outros chorarem, rendo-me ao amor que bate à porta dos meus olhos e desce em forma de pingos salgados, reação química resultante da rigidez de um bastão, o lirismo de um tecido colorido, vozes dissonantes e o olhar de um menino grande que outrora visto como chato pelos colegas é hoje exemplo, referência e encontrou enfim razão de ser e lugar no mundo. No caminho de volta, só posso ouvir mil vezes a mesma canção, agradecer outras mil e chorar mais um pouco. E para deixar eterno esse momento, este dia mágico, resolvi deixar aqui escrito esse aglomerado de palavras sem parágrafo, transbordando da caixa de texto, como de amor transborda meu peito. 
Amo vocês, pequenos... 
Obrigado por fazerem meu sonho realidade a cada dia... 
Beijo na testa!
 — com Ana Carolina Scaldelai e outras 9 pessoas.
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sexta-feira, 17 de maio de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 8

A voz cantada para ajudar a contar

Aula de Anita Deixler [Foi assim...]

"Estamos diante de uma Deusa" - disse Antônio Rosa ao final da aula. Uma Deusa da Voz, diria eu. Anita nos brindou com elegância, amor e delicadeza do início ao fim. Foi cantora do Teatro Municipal de São Paulo e depois de 30 anos, prestes a se aposentar, decidiu dedicar-se exclusivamente às aulas de canto, função que já desempenhava há anos. 

Já no início da aula uma linda descoberta: "O homem pré-histórico começou cantando, imitando o som dos bichos e não articulando fala.". Embora tenha entendido a colocação de Anita, minha imaginação flutua pensando numa época em que Neanderthal, Erectus e Sapiens cantarolando por aí. E como se não houvesse entendido, imagino agora um homem das cavernas cantando "Vou te contar, os olhos já não podem ver...". Muito bobo...

Senhoras e senhores, a prega vocal: é ela que nos protege de engasgamentos e de sobre é a responsável pela criação dos sons. O ar passa, ela vibra e a magia acontece. Mas tudo parte da respiração. "Se não há pressão de ar, não há som". O cantar e o falar estão na expiração. Não se fala inspirando.

"Às vezes a voz é mais forte do que o visual. É sua impressão digital.". "Encontre seu próprio timbre e ninguém contará histórias como você." E se essas frases já são por si só potentes, na divina voz de Anita, ganham ainda mais força.

Depois de um pouco de teoria, exercícios de respiração e aquecimento vocal. Sinto-me confortável. Para cantar, a voz entra pelo nariz e pela boca. Isso prova realmente que Mapa é Mapa. No Yôga, a respiração é praticamente o tempo todo nasal.

Ter consciência do aparelho fonador é algo belíssimo. Fechar ou não fechar a glote para falar ou cantar. Diferença significativa. Atenção sempre para os registros: Voz de peito, mista e de cabeça. Em notas agudas, a voz é de cabeça, principalmente nas meninas. Salmodiar é um bom exercício.

E foi, aos poucos, quando menos se percebeu, a turma animada e interessada na aula foi se transformando numa galera de dar inveja a qualquer 5ªD ou 6ªF. Qual é o limite de conversa e da bagunça? Se contar histórias é um exercício de fala e escuta, qual limite e qual a hora de discernir entre um e outro? Sempre me pego imaginando meus alunos me vendo como aluno. "Preciso fazer aquilo que sempre lhes peço. Se peço atenção, escuta e foco, não posso agir diferente.". Claro, nem sempre ordem é progresso, mas nem tanto ao céu nem tanto à terra. E Anita é uma Lady, age com delicadeza, pena nem todos captarem a sutileza das "broncas" dadas por ela.

Ouvimos "O Messias", de Hendell ilha de paz em meio a ruidosa sala. Atenção para a Magia das Vogais. São elas que dão cor ao som. Sinestesia é tudo.

Vasculho meu caderno em busca de anotações para dar lógica ao registro e encontro mais duas vezes anotadas a frase "Onde está a escuta?. Elas dão o tom do que senti em vários momentos.

E fomos nós ouvirmos as vozes dos colegas. Lindas vozes, mesmo tímidas, bom ouvir, muito esclarecedor. Alguns mais tímidos, outros mais soltos, emoção rolou, fui um dos últimos e descobri que som um baixo barítono, com um tal de basal, que é um grave quase arroto.

E toda essa conversa durou até as 15:25, quando então, apenas 13 alunos ficaram para a despedida.  Quase uma hora e meia após o término oficial da aula, finalmente as vozes, todas elas se calaram e tomaram seus próprios caminhos, não sem antes, muito abraço na Deusa da Voz, que nos presenteou com ensinamentos, carinho, simpatia e som.

Ia colocar alguma música do soundcloud da Anita (soundcloud.com/anitadeixler) aqui, mas acho que melhor homenagem não teria do que eu colocar um vídeo que vi esta semana e acho que vale a pena ouvir milhões de vezes.

[E assim foi...]



segunda-feira, 6 de maio de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) – Aula 7

[Foi assim:]

Recupero minhas anotações deste sábado. Passo os olhos por cima para ver se esqueci de algo. Provavelmente terei me deixado de anotar coisa importante. Sou um pouco “Adélia esquecida”. Confesso que não sou muito visual. Adélia também não. A menina sempre esquece alguma coisa antes de sair de casa. Sou bem assim. Tal característica não deixaria de se apresentar neste registro.

Nosso sábado começou bem nutrido pela história cantada por Ana Lu. Ah, Adélia. Tão Varlei essa menina. Tão Varlei que esquece tudo, mas não o afeto. Linda história, que aqueceu meu coração. Ficaria o dia inteiro ouvindo as histórias da Mestra. Quero ser assim quando crescer.

Pronto, já esqueci algo que veio antes da história. Varlei esquecido. A conversa sobre o violão. Quando Ana Lu pegou o violão para afinar, um colega de turma pensou alto: “A gente poderia aprender.” Ouvimos de Ana que podíamos sim aprender, mas a pesquisa do violão era uma outra viagem, viagem de uma vida inteira. E que quanto mais recursos forem postos numa história, mais seguro se deve estar de cada um deles e estuda-los isoladamente. “Cuidado para não subir ao seu nível de incompetência.”, frase que Ana Lu ouviu quando pequena e que vale a pena refletir sobre.

Relatórios entregues, reflexão e devolutiva das análises. Parece que alguns colegas assistiram coisas “não tão legais”, diria eu. Voz colocada de forma inadequada, falta de nuance na narrativa. “O texto tem que criar forma na boca do contador”. Isso muito ainda me falta. “O contador deve estudar, estudar e estudar.”. Ana é um exemplo de disciplina. Estuda e pesquisa tanto que dificilmente sobe ao seu nível de incompetência.

Sinto que a fala já ecoa no trabalho que venho desenvolvendo, mas ainda falta muito para que os ecos internos se apresentem externamente na hora da história. Trabalho, muito trabalho então, para que isso possa surtir efeito. 

Sobre as interrupções, interferências e participações. “Se a criança levantar o dedo, ela está toda na sua.” Existem várias formas de participar. Ouvir e acompanhar é também uma baita interação. Não é preciso o tempo todo incitar e pedir que participem, até porque às vezes a participação será tão intensa que a narrativa se perde. Achar este meio termo entre não ignorar a criança no ato da história e não superestimar a participação é uma habilidade que o curso não nos dará. Só a experiência. E quando perder o fio por causa da participação, uma boa maneira de retomá-la é perguntar: “Onde é que a gente tinha parado mesmo?”. Outra informação importante: às vezes, conversar antes da história é uma boa forma de esvaziar o público, para preenchê-lo com a narrativa.

Muito cuidado com a maneira que se prepara o público para a história. Preciso me atentar a isso. A preparação é para o que vem. Não adianta aquecer com uma música hiper agitada se a história pede sensibilidade. Atenção também para os recursos visuais, figurinos e similares. Tudo precisa estar conectado à narrativa. Caso contrário, são estímulos desnecessários, que desviam a atenção dos ouvintes. Não se pode, ainda, ter dúvidas da sequência das ações.

Paramos para o lanche e lá fomos nós para a conversa regada a sucos, bolos e tortas.

Parte dois. A Estrutura da Narrativa – A Jornada do Herói. Segue imagem interessante e que resume com qualidade minhas anotações mais técnicas.

             

Conhecer a história. Ler algumas vezes em voz alta e depois abandonar o texto. Dividir a narrativa em sequência de ações, com nomes claros e óbvios. Já estou, de certa forma, fazendo isso quando uso os mapas mentais. Dar cor, cheiro e som à unidade. Estudar separadamente como contar cada unidade e ir juntando todas elas aos poucos.

Ana disse que alguns autores defendem que a matéria prima do contador de histórias é o conto popular e não o conto de autor, ponto final. Ana respeita, discorda e eu também. Esses acadêmicos, catedráticos, cheios de suas teorias, mãos no queixo e análises disso e daquilo... Lembrando Veríssimo e colocando-o neste contexto: “A gramática tem de apanhar todo adia para saber quem é que manda.”. E que a teoria sirva e potencialize a prática sempre.

Muito mais coisa foi dita, decerto, mas Varlei Esquecido deixou de anotar. Vale, contudo, transcrever minha última anotação feita durante a aula:

“Esqueço de anotar pelo magnetismo da professora.”

Era hora de reunirmos em grupo e conversarmos sobre a escolha de nossa história. Tudo estava nebuloso, até que nossa amiga Angélica abriu um de seus livros e nos leu “João Bobão e a Princesa Chifruda.” A história tinha tudo aquilo que procurávamos. E chegamos a um consenso. Não vejo a hora de começar a ensaiar.

Corremos para arrumar as coisas e ir rápido para São Caetano, ouvir a contação de O Grifo, que nossa professora faria no SESC. Antes disso, fomos capturados pelas narrativas de nossos amigos. Duas lindas histórias. “Era disso que eu estava sentindo falta.”, completei. Sugeri que fizéssemos isso todos os sábados, após o curso. Certamente será muito enriquecedor.

Corremos para São Caetano e chegamos em cima da hora para assistir a narração de O Grifo, história que Ana ouviu da mãe, que ouviu da avó, que ouviu da bisavô, que ouviu da tetravó. Linda história, não vou elogiar outra vez, pode parecer que estou puxando demais o saco. Saímos de lá, Raquel, Cláudia e eu, nas nuvens, nem lembrávamos de onde havíamos colocado meu carro, ficamos um bom tempo andando e procurando. Daria uma narrativa atrapalhada. Quem sabe um dia escrevo. Era quase cinco da tarde, hora de almoçar. Almoço tardio, que valeu a pena sê-lo pelo agradável dia que tivemos.

[... e assim foi.]

E segue uma contação de Giba Pedrosa, que todo mundo adora:

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores da Histórias) Aula 6

Havia chegado a hora."O jogo simbólico da criança". Desde a 3ª aula estou esperando o retorno da Maga e minha sede de saber seria saciada. Saí de casa com minha noiva e entupi o carro com minhas expectativas (novamente elas). O caminho pareceu mais curto, nem me lembro da canção que tocava no rádio. Enfim, adentrava o auditório da Hans cheio de brilho nos olhos. Comentei com ela sobre minha ansiedade e ela respondeu dizendo que faria uma experiência. Uauu! Adoro aulas em que o experimentalismo do professor se apresenta. "Eu também sou tão experimental...", pensei. Seria ótimo. 

Para mim era um espetáculo. Pareceu-me ouvir até o terceiro sinal. Falou-se algo sobre Edgard Morin, mas não lembro o que foi. Sei que já ouvi falar muito bem dele, que ele vem sempre ao Brasil, dá palestras no SESC e que é um homem bastante simples. "Da próxima vez tenho de anotar direito", penso agora. 

Começamos com um assunto que já conhecia. Os três níveis, ou três cérebros. Assunto recorrente em meus estudos de PNL e Mecânica Quântica. O assunto não apresentava novidade, embora as informações fossem bastante ricas. Depois, os hemisférios cerebrais, outro assunto que já conhecia e foi bom rever. E, vez por outra, a Maga lançava uma das suas frases mágicas. "O Contador de histórias é o corpo caloso do cérebro". Corpo caloso: parte do cérebro que une o hemisfério direito ao esquerdo. Não vou discorrer aqui sobre a função de cada um. Este registro serve como material de fixação dos conteúdos aprendidos e sobre este já conheço. Talvez precise aprofundar-me um pouco mais, mas hoje, perdoem-me os colegas, optei por fazer uma viagem um tanto diferente em direção ao passado. Até o estilo me foi. E adianto que serei um pouco mais pungente. 


Em dado momento, talvez antes de se falar sobre o cérebro propriamente dito, Eli nos contou que há neurônios também em nosso intestino. "Acho que finalmente entendi por que penso tanta merda.". Disse que seria mais cáustico, não disse?

Mais uma vez fui traído por minhas anotações inespecíficas. Meu caderno diz "História Sujinha da Eli". Lembro que houve uma história, mas não consigo recordar-me dela. Outra vez percebo que os recados da Senhorita Escuta para a Dona Memória devem ser mais específicos.

Um pouco de sono... 

Disse ela: "Estamos criando uma geração de sociopatinhas". Concordo plenamente. Nossas crianças cada vez mais têm dificuldade de viver em comunidade. Filhos únicos, príncipes e princesas mandões, com dragões interiores, impetuosos e ferozes. Que o contador de história possa trazer a coruja adormecida dentro de cada um...

Sono...  

Outras frases importantes ou o que consegui captar delas: 

"Mito e realidade são valores dinâmicos". "O triste é que as religiões tentam a todo o custo transformar o mito em realidade histórica.". E o quão duro é conversar sobre isso com pessoas cujo credo (seja ele qual for) as impeça de discutir o assunto sem gerar conflito ou ruptura. Cada vez mais, assunto complicado. Sei bem... 

Muito sono. Devia ter dormido mais cedo

"Quem fica sem narrativa, cai pelas beiradas da existência humana". Nada mais verdadeiro e poético. "É preciso honrar a criança e o adulto que há em nós." I couldn´t agree more. "Atenção para a radicalização do herói." Vivemos uma sociedade em que o herói e super valorizado, isso talvez também potencialize a hiperatividade da criança. Nunca havia pensado nisso, mas faz sentido. E quem sabe eu ande contribuindo para tal. É algo a se pensar.

Intervalo, comidinha e conversa com os amigos. "Nossa, que salada de frutas bonita." Parei para conversar com alguém e quando voltei "A salada de fruta devia estar boa. Logo acabou..." 

Pós intervalo: Fases do Desenvolvimento da Consciência Individual e Coletiva. Rocambole de Jung, Neuman e Whitmond preparado por Eliana. 

Fase Matriarcal ou Fase Mágica: Até os 4 anos aproximadamente. Tudo gira em torno do mundo da mãe. Relação com os Mitos de Criação. 

Transição ou Fase Mitológica: 4 anos até puberdade. Relação de desejo entre mãe e filho consorte (Sófocles já sabia) e transição para o Politeísmo Patriarcal (Até chegar a um pai celeste e Abstrato)

Patriarcal ou Mental: A partir da Puberdade. Fase Egóica e Mental, onde a mente é o árbitro supremo. Grande repressão de desejos e radicalização do herói.

E já era hora de dar tchau. Um tiquinho de decepção me tomou. Mas e o Jogo Simbólico? E a Psicanálise dos Contos de Fadas? E aquela ideia interessante de que o contador de história precisa conhecer o simbólico da de cada público para escolher melhor a história? Ok, eu entendi as três fases. Mas não há algo mais? Certamente há, mas ficou por nossa conta... 

Lógico. Expectativas foram quebradas. Particularmente, eu teria passado mais superficialmente pelos hemisférios cerebrais a fim de ter um pouco mais de tempo para discutir o jogo simbólico. Vim querendo muito mais, assumo, saio com mais sede. Mas o processo de ensino e aprendizagem tem dessas. Na primeira não esperava muito e foi ótimo, nesta esperava muito mais, porém não foi. A vida é assim. E este registro é apenas uma reflexão pessoal. Não tenho o intuito de julgar a professora. Mas lógico, fui transbordando de ansiedade, e ficou aquele gostinho de "queria mais..." Alguns coleguinhas também.

Depois, antes de irmos ao SESC, uma conversinha com meus parceiros de grupo, gente agradável e paciente, que me ouviu contando a história do "Mendigo Sonhador". A mesma reação de sempre. Fomos então ao SESC, onde comemos uma comidinha deliciosa e depois nos deliciamos com a Contação de nossa Grande professora Simone. E não é que havia uma história parecida com a minha no repertório do dia?

Se ela pode, porque eu não posso, Angélica, Raquel e Adilson? 
huahauhauahuahuahauahuahuahauahuahuahau

E assim foi...

Hoje vou de Rolando Boldrin, com um causo delicioso. Canalha como fui hoje.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) Aula 5


Expectativa

Estado de quem espera algum acontecimento, baseando-se em probabilidades ou na possível efetivação do mesmo.
s.f. Condição de quem espera pela ocorrência de alguma coisa; perspectiva: expectativa de P.ext. Desejo intenso por algo próspero: expectativa de um bom trabalho. 
(Etm. do francês: expectative)
Saí de casa na expectativa por mais uma aula com Eliana Ethie, trouxe comigo minha noiva e minha madrinha de casamento, a quem falei muito sobre a palestra "O jogo simbólico da criança" que teríamos. Quando cheguei,  expectativa quebrada: "Hoje é o Ilan", disseram-me Ana Lu e Tati levantando as sobrancelhas. (Microsegundos de Silêncio) "E agora...?".

A expectativa quebrada lançou em mim certo incômodo. "Droga, devia ter olhado direito o calendário.... Fui tão seduzido pela Maga da Aula 3 que perdi a noção do tempo. Seu poder é incrível ..." pensei. "Bom, seja o que Deus quiser..." Alguns colegas foram chegando e logo demos início às atividades. Ana Lu iniciou a aula, a palestra seria as 11:00.

Lembrou-nos do relatórios, que devem ser entregues até dia 1 de Maio. Falou também sobre a montagem dos grupos, que estava próxima. Comecei a olhar alguns colegas: "Seria legal fazer com fulano...". Quem sabe... Havendo possibilidade, tentaria contato.

Ana iniciou sua fala a respeito da Classificação dos Contos Populares, rede de suporte do pensamento humano. Contadora de Histórias, de avó historiador, Ana Lu nos conduz a sua linha do tempo, contando-nos que as histórias são certamente o embrião da filosofia e da ciência. Adoro essa ideia de ancestralidade, de fazer parte de algo milenar, é minha vontade de querer ser um pouco imortal, principalmente nesses dias em que tive íntimo contato com a Dona Morte e pude perceber o quanto ela nos tira o ar, o quanto de silêncio ela nos traz, um silêncio dorido. Pensando melhor, eterno não; prefiro ser perpétuo em ideias e obras. Como meu pai, que se perpetuou em mim pela poesia que me deixou de amiga. Ele, de pouca instrução, deu-me com sua simplicidade a oportunidade de ser quem hoje sou, através das quadras que escrevia. Perpetuou-se em mim pelo legado. Falarei sobre isso num post diferente desta série em homenagem a ele, que partiu neste domingo. (Tiquinho de suspiro e nó na garganta).

Os mitos, um produto cultural dos povos antigos, buscavam olhar para o mundo com uma lente de aumento, cujo objetivo era explicar os fenômenos inexplicáveis, uma tentativa de entender o cosmos. E os mitos de cada cultura são tão singulares que é bom despir-se da própria cultura a fim de entendê-los sem juízo de valor. Nos mitos indígenas um animal vira índio, vira animal, vira deus, vira índio outra vez e não há problema algum nisso, nem varinha de condão. Não tentemos julgar, nem explicar. Afinal, a beleza de ofício nosso, profissão de fé, é poder transitar por diversas culturas. Assim, podemos, independente de nosso credo, contar contos judeus, africanos, indígenas celtas, sufis, gregos e muito mais.

E aquela lente de aumento, que buscava explicar os mistérios cósmicos, passou a aproximar-se dos comportamentos e do contexto social. Vieram então as fábulas. Mas aos poucos, a lente passou a se aproximar ainda mais e entrou pelo buraco da fechadura da vida para falar dos anseios humanos e das relações afetivas. Todo mundo se identifica com algum conto de fadas. Sua universalidade e suas polaridades de "bem e mal" ajudam-nos não só a nos entender melhor, a buscar forças para nossas realizações, como também trabalham nossas questões mais íntimas. Em pensar que muitas vezes temos certo preconceito com o termo "contos de fadas".

Mas há também aquelas histórias reais, que em certo momento se fundem com a fantasia, de modo fica por vezes difícil discernir entre o real e o ilusório, são as lendas. A lente se torna embaçada. Particularmente gosto muito deste processo de transformação, gosto desta falta de foco da lente. É o humano recriando a vida e a história. Gosto de verdades que viram lendas e se confundem com fantasia. Quero um dia fazer de gente com quem vivi, figuras lendárias de histórias que contarei. E mais uma vez surge-me a intenção de perpetuação.

Hora do café. Uma boa hora para aproximar-me da questão dos grupos. Não deu tempo. Fui chegando perto e ouvi uma voz: "Você já tem grupo?"... "Cara, ia te perguntar isso agora.", respondi. Emaranhamento quântico, inconsciente coletivo, transmimento de pensação ou coisa que o valha. Pouco importa. Adilson era o cara que havia citado a pouco como alguém com quem eu gostaria de trabalhar, levou-me então à presença de duas colegas, cujas afinidades também já havia descoberto. Raquel, nome da minha futura filha, como eu, apaixonada por poesia, Angélica, educadora "teimosa", tentou três vezes participar deste curso. Tudo ocorre na hora certa. Grupo formado e afinado.

Fomos lá para a palestra. Eu rezando para que fosse boa, para que Robi e Carol não ficassem bravas comigo. E foi demais. Ilan começou com uma história: O velho sufi, seu burrico e o assalto. Para mim uma grande reflexão sobre os exemplos e postura. Linda linda linda... Vencer pelo conhecimento. Ganhamos esta história de presente e o mais legal é que ela estará num próximo livro de Ilan. E quem é que não gosta de receber um presente desses?

Ilan ao conversar conosco, nos traz quase ao sofá de sua casa, transforma palestra em bate-papo de amigo, conversa informal que vez por outra ensina mais que academia. "Um educador que não trabalha com histórias está no caminho errado." Estamos então no caminho certo, estamos descobrindo esse mistério.

A prosa tomou o rumo de suas criações e fomos levados ao universo Ilânico, que não retratarei aqui pois encontrei um vídeo com ele mesmo contando como funciona. Muito melhor ele do que eu.




Cabe uma reflexão: Ilan, quero ser como você quando for pai. E tenho dito. 


Interessante como certas coisas têm uma profunda conexão. Uma das leis herméticas diz "O que está em cima é como o que está embaixo. E o que está embaixo é como o que está em cima". Segundo nosso autor, suas histórias se aproximam das pessoas porque observam o microcosmo do seu lar, que vários outros lares, quem sabe todos, e é isso que torna a história universal. Quanto mais micro, mais macro. Partindo da realidade, vai para a ficção, usando tudo que pé significativo. Hermético e quântico.

Outras reflexões levantadas foram que:

"O sofrimento, por vezes, problematiza a existência"

"A blindagem da infância é um desastre. A criança precisa das questões existenciais" 

E a conversa tomou diversos rumos: a ilustração, o processo criativo, questões acerca do racismo presente na obra de Lobato, assunto que me cansa deveras. E começamos a falar de pum. Como sou íntimo desse assunto, chamo-o  naturalmente de peido. Não acho a palavra feia, acho pum um eufemismo às vezes até lírico, mas que não carrega a carga que a ação merece. A falando deles, através do livro "Até as princesas soltam pum" comecei a ficar inspirado. E não foi para escrever. Mas já estava no fim e esperei sair do auditório para soltar alguns. 

Perdoem-me os colegas quem estão lendo, mas como diria Bandeira: 


"Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade." 

Ufa! E assim foi. Voltamos para o carro felizes.Ufa! E as meninas adoraram. Ufa de novo! Baixei o vidro do carro e lá fomos nós discutindo o que ouvimos. Ufa! Ufa! Ufa!