terça-feira, 23 de abril de 2013

Carne de Língua (Diário de Bordo do Curso de Formação de Contadores de Histórias) Aula 5


Expectativa

Estado de quem espera algum acontecimento, baseando-se em probabilidades ou na possível efetivação do mesmo.
s.f. Condição de quem espera pela ocorrência de alguma coisa; perspectiva: expectativa de P.ext. Desejo intenso por algo próspero: expectativa de um bom trabalho. 
(Etm. do francês: expectative)
Saí de casa na expectativa por mais uma aula com Eliana Ethie, trouxe comigo minha noiva e minha madrinha de casamento, a quem falei muito sobre a palestra "O jogo simbólico da criança" que teríamos. Quando cheguei,  expectativa quebrada: "Hoje é o Ilan", disseram-me Ana Lu e Tati levantando as sobrancelhas. (Microsegundos de Silêncio) "E agora...?".

A expectativa quebrada lançou em mim certo incômodo. "Droga, devia ter olhado direito o calendário.... Fui tão seduzido pela Maga da Aula 3 que perdi a noção do tempo. Seu poder é incrível ..." pensei. "Bom, seja o que Deus quiser..." Alguns colegas foram chegando e logo demos início às atividades. Ana Lu iniciou a aula, a palestra seria as 11:00.

Lembrou-nos do relatórios, que devem ser entregues até dia 1 de Maio. Falou também sobre a montagem dos grupos, que estava próxima. Comecei a olhar alguns colegas: "Seria legal fazer com fulano...". Quem sabe... Havendo possibilidade, tentaria contato.

Ana iniciou sua fala a respeito da Classificação dos Contos Populares, rede de suporte do pensamento humano. Contadora de Histórias, de avó historiador, Ana Lu nos conduz a sua linha do tempo, contando-nos que as histórias são certamente o embrião da filosofia e da ciência. Adoro essa ideia de ancestralidade, de fazer parte de algo milenar, é minha vontade de querer ser um pouco imortal, principalmente nesses dias em que tive íntimo contato com a Dona Morte e pude perceber o quanto ela nos tira o ar, o quanto de silêncio ela nos traz, um silêncio dorido. Pensando melhor, eterno não; prefiro ser perpétuo em ideias e obras. Como meu pai, que se perpetuou em mim pela poesia que me deixou de amiga. Ele, de pouca instrução, deu-me com sua simplicidade a oportunidade de ser quem hoje sou, através das quadras que escrevia. Perpetuou-se em mim pelo legado. Falarei sobre isso num post diferente desta série em homenagem a ele, que partiu neste domingo. (Tiquinho de suspiro e nó na garganta).

Os mitos, um produto cultural dos povos antigos, buscavam olhar para o mundo com uma lente de aumento, cujo objetivo era explicar os fenômenos inexplicáveis, uma tentativa de entender o cosmos. E os mitos de cada cultura são tão singulares que é bom despir-se da própria cultura a fim de entendê-los sem juízo de valor. Nos mitos indígenas um animal vira índio, vira animal, vira deus, vira índio outra vez e não há problema algum nisso, nem varinha de condão. Não tentemos julgar, nem explicar. Afinal, a beleza de ofício nosso, profissão de fé, é poder transitar por diversas culturas. Assim, podemos, independente de nosso credo, contar contos judeus, africanos, indígenas celtas, sufis, gregos e muito mais.

E aquela lente de aumento, que buscava explicar os mistérios cósmicos, passou a aproximar-se dos comportamentos e do contexto social. Vieram então as fábulas. Mas aos poucos, a lente passou a se aproximar ainda mais e entrou pelo buraco da fechadura da vida para falar dos anseios humanos e das relações afetivas. Todo mundo se identifica com algum conto de fadas. Sua universalidade e suas polaridades de "bem e mal" ajudam-nos não só a nos entender melhor, a buscar forças para nossas realizações, como também trabalham nossas questões mais íntimas. Em pensar que muitas vezes temos certo preconceito com o termo "contos de fadas".

Mas há também aquelas histórias reais, que em certo momento se fundem com a fantasia, de modo fica por vezes difícil discernir entre o real e o ilusório, são as lendas. A lente se torna embaçada. Particularmente gosto muito deste processo de transformação, gosto desta falta de foco da lente. É o humano recriando a vida e a história. Gosto de verdades que viram lendas e se confundem com fantasia. Quero um dia fazer de gente com quem vivi, figuras lendárias de histórias que contarei. E mais uma vez surge-me a intenção de perpetuação.

Hora do café. Uma boa hora para aproximar-me da questão dos grupos. Não deu tempo. Fui chegando perto e ouvi uma voz: "Você já tem grupo?"... "Cara, ia te perguntar isso agora.", respondi. Emaranhamento quântico, inconsciente coletivo, transmimento de pensação ou coisa que o valha. Pouco importa. Adilson era o cara que havia citado a pouco como alguém com quem eu gostaria de trabalhar, levou-me então à presença de duas colegas, cujas afinidades também já havia descoberto. Raquel, nome da minha futura filha, como eu, apaixonada por poesia, Angélica, educadora "teimosa", tentou três vezes participar deste curso. Tudo ocorre na hora certa. Grupo formado e afinado.

Fomos lá para a palestra. Eu rezando para que fosse boa, para que Robi e Carol não ficassem bravas comigo. E foi demais. Ilan começou com uma história: O velho sufi, seu burrico e o assalto. Para mim uma grande reflexão sobre os exemplos e postura. Linda linda linda... Vencer pelo conhecimento. Ganhamos esta história de presente e o mais legal é que ela estará num próximo livro de Ilan. E quem é que não gosta de receber um presente desses?

Ilan ao conversar conosco, nos traz quase ao sofá de sua casa, transforma palestra em bate-papo de amigo, conversa informal que vez por outra ensina mais que academia. "Um educador que não trabalha com histórias está no caminho errado." Estamos então no caminho certo, estamos descobrindo esse mistério.

A prosa tomou o rumo de suas criações e fomos levados ao universo Ilânico, que não retratarei aqui pois encontrei um vídeo com ele mesmo contando como funciona. Muito melhor ele do que eu.




Cabe uma reflexão: Ilan, quero ser como você quando for pai. E tenho dito. 


Interessante como certas coisas têm uma profunda conexão. Uma das leis herméticas diz "O que está em cima é como o que está embaixo. E o que está embaixo é como o que está em cima". Segundo nosso autor, suas histórias se aproximam das pessoas porque observam o microcosmo do seu lar, que vários outros lares, quem sabe todos, e é isso que torna a história universal. Quanto mais micro, mais macro. Partindo da realidade, vai para a ficção, usando tudo que pé significativo. Hermético e quântico.

Outras reflexões levantadas foram que:

"O sofrimento, por vezes, problematiza a existência"

"A blindagem da infância é um desastre. A criança precisa das questões existenciais" 

E a conversa tomou diversos rumos: a ilustração, o processo criativo, questões acerca do racismo presente na obra de Lobato, assunto que me cansa deveras. E começamos a falar de pum. Como sou íntimo desse assunto, chamo-o  naturalmente de peido. Não acho a palavra feia, acho pum um eufemismo às vezes até lírico, mas que não carrega a carga que a ação merece. A falando deles, através do livro "Até as princesas soltam pum" comecei a ficar inspirado. E não foi para escrever. Mas já estava no fim e esperei sair do auditório para soltar alguns. 

Perdoem-me os colegas quem estão lendo, mas como diria Bandeira: 


"Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem maldade." 

Ufa! E assim foi. Voltamos para o carro felizes.Ufa! E as meninas adoraram. Ufa de novo! Baixei o vidro do carro e lá fomos nós discutindo o que ouvimos. Ufa! Ufa! Ufa!





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