Há algum tempo, escrevi algumas cenas no curso de dramaturgia e esqueci de colocá-las aqui. Aí vai a primeira!
CENA: VINGANÇA E ESPERA
PERSONAGENS: VINGADO E VITMA
DE COMO O VINGADO É PERSEGUIDO POR SUA VÍTIMA.
Luz baixa. Sons de brotar água. Um homem sentado olha o cadáver ainda quente. Limpa a faca na roupa.
Vingado:
Quero um pouco do teu sangue. Não lavarei a roupa, meu troféu. Que o resto escorra, que a água venha e leve tudo. Maldito.
(Levanta. Passa a faca no ar como se cortasse novamente o pescoço dele)
Alguns diriam que um só corte é pouco. É o que basta. Não precipito a te furar mil vezes. Sou mais forte que meu desejo. Ajo por bem maior que ego. Salvo o mundo de um monstro.
(Crava a faca no chão, do lado da cabeça da vítima)
Ainda sorri, infeliz? A dor da corte, a morte a caminho de buscá-lo e ainda sorri? Olhos abertos a me olhar de fixo. Encara e não me deixa. Toda maldade não sei esvai com a dor, Bicho cruel?
(Espera um pouco. Olha fixamente para o fundo da gruta, caminha um pouco em direção à profundeza. Observa como se esperasse alguém. Volta.)
Satan não vem. Matei-te aqui, próximo à sua morada. Ato baldio. Fecha a porta o inferno. Não se recebe ser tão mal. Até demônios têm limites e agem por seus códigos e regras infernais. Não é bem visto perante os seus no inferno.
(Olha fixamente o cadáver. Muda a feição. Respiração se acelera)
Fique onde está! Como ousa levantar? Não me rodeie! Aparte-se de mim, de minha mente. Largue meu corpo, meu pensamento! Não basta o que já foi? É pouco o que fez no mundo?
(Passa a mão no corpo como se tentasse se limpar)
Não some. Não sai. Este tormento tomará de assalto o corpo e a mente do homem bom, do justo que fez no mundo o que a lei não fez? Grande injustiça!
A morte há de resolver. E lutaremos pra sempre no invisível. Luta sem vencedor e sem vencido. Prisão mais certa a ti. Eu pago o preço de não te ver matar crianças como minha filha. Da crueldade te afasto se a ti me uno? Meu sofrimento livrará outros, o preço é justo. Já não há como reaver o que perdi. O sofrimento é grande. E sua perseguição será inferno na terra. E aqui nada posso contra ti.
(Aumenta o desespero. Pega a faca que estava cravada ao lado do corpo, aponta ao peito)
Abandono o corpo como há pouco te vi fazer. Vou preparado à eterna guerra. Que seja, se nada posso.
(Prepara o furo. Desiste na última hora)
Falta coragem. Temo mais a dor do corte que a batalha que virá. Lá fora amanhece. Filhos acordam com seus pais ao pé da cama... Não tenho mais esta alegria. Também não há mais o teu prazer em matá-las. Longe da matéria, teu sofrimento é grande por não poder corresponder aos ímpetos de tua funesta natureza? Também não pode estar distante de mim que te fiz morto? Perseguirá meu corpo eternamente? Siga comigo, pois, olhando o mundo sem poder tocá-lo. Olhando filhos sem poder matá-los. Sofrendo só do lado escuro do outro mundo. Sofrendo a vida que não tem eternamente. E mesmo que eu sofra com a perseguição, o prazer de sentir sua dor compensa a pena a que me impus. Vamos embora que logo o odor de podre tomará a gruta. Quero antes o orvalho da manhã e o cheiro das flores do campo. Quem sabe não há uma criança lá fora? Estou curioso. Me acompanhe, por favor! Uma legião de dragões há de nos acompanhar. Vejam, estão chegando. Trazem consigo flores. São para mim. Pagam-me a beleza de meu ato. Matar é ruim? Quando se livra do mundo ser tão mal, tão terrível, é um bem que se faz ao mundo. O mundo me agradece. Um banquete me aguarda lá fora. E o sofrimento de um mundo que não pode pode tocar se aproxima. Acompanhe-me, por favor!
(Sai o Vingado. O corpo permanece)
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