Depois de Quinze
Nem o vento ousa soprar perto da casa onde o aroma de café movimenta a atmosfera. Amigos e parentes aguardam na sala. Poucos rezam e ninguém ousa falar. Rosa ameaça pôr a mão na porta, recua. Respira fundo, abre a porta com cuidado e prostra-se do outro lado. Nena, sobre a cama, olhos colados na sobrinha, respira fundo e exala com gemido. Manda-a entrar e fechar a porta. Uma retórica pergunta sobre o estado da tia inicia a conversa. Nena estava visivelmente mal. Rosa timidamente senta sem saber o que dizer. O corpo parece não aceitar bem a cadeira ou vice-versa. Inquietude silenciada de duas próximas bem distantes. Um abismo de anos.
Se Rosa viria, Nena tardava a acreditar. Mas lá estava ela, quinze anos depois, no quarto da tia, igualmente decorado e limpo. E foi a tia quem de início tocou no assunto. E embora rosa não quisesse, acabou se envolvendo. Havia gente lá fora. Família e amigos aguardavam seu último momento com Nena, que só queria Rosa antes de ir. Rosa não queria ouvir. Mas dessa vez, a moça surpreendeu-se ao ver que a tia, mais do que falar queria ouvi-la, fato incomum para áspero assunto.
Se era inevitável falar, que se falasse. Que Tia Nena sempre fora muito mais que mãe, que irmã, que a amava mais que a qualquer outro; que tudo foi acabando por saber por outros que não era assim para a tia. voz que vinha da cama buscava interromper, dar sua versão, mas o vigor da voz da sobrinha era maior, visivelmente mais vivo que o dela. Depois de quinze anos não havia mais que se esconder. Que lamentar. E não havia remorso que a fizesse mudar.
Mas Nena estava em paz. Chamara Rosa para entregar a verdade como último presente à sobrinha querida. E começou quinze para as oito. Quase a hora do baile de Rosa. Quinze anos, data esperada por Rosa e Nena. Grande dia para as duas. A última olhada no espelho mostrou Silvia, mãe de Rosa, a olhar firmemente para a irmã. E praguejou por todos os quinze anos de antes. Que Nena tinha tudo. Tinha casa, marido e amigo e ainda roubava-lhe a filha, única coisa que tinha pra si; que suportar por quinze anos era duro, e não agüentaria mais tempo; que se pudesse, mandava-a embora, mas que não ia estragar a festa. Que quem estragou foi ela mesma por, não suportar, embora tivesse tentado. Que foi definhando e não foi possível ficar muito na festa. E acabara naquela cama.
Batiam na porta, Rosa dizia. Que batessem, dizia Nena sem se importar. Aproveitando o pouco tempo que tinha, pegou com as mãos quase já frias nas suadas mãos da sobrinha-filha mais querida. Pediu que não brigasse com a mãe. Agora, uma só tinha a outra. Batiam na porta. Rosa perguntava o porquê do silêncio de quinze anos. Não entendia. Repetia a pergunta. A última inspiração da tia exalou a resposta. Porque nunca roubara ninguém. Não admitia tal injúria.
Batiam na porta mais e mais. Sem a resposta, abriram. Era Ida, prima distante de Rosa. Entrou para avisar que a mãe de Rosa chegara...
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