Aridez sertaneja. Corpo de mulher arqueado no chão. Único sinal de vida em quilômetros. Vestido claro de um florido desbotado. Cabelos castanhos maltratados pela poeira. Mãos na terra-lama-seca quente do sol esbraseado. Cava com o vigor de quem procura. Dedos longos, palmas calejadas, terra em montes ao lado. O corpo assimila os golpes do calor. Afunda-se aos poucos em seu próprio cavoucar. Não levanta os olhos um momento sequer, nem mesmo quando a pele das mãos e dedos já desgastada principia a sangrar. Arfa e geme enquanto acelera o ritmo da ação. Cava fundo e rápido. O som das mãos na terra ecoa pela planície infecunda. Olhos só olham a terra, ignorante do seu esforço.
PARTE 2
Divindades do candomblé assistem ansiosos à figura da mulher entrar cansada como quem correu quilômetros com um pedaço de osso em suas mãos. Passos dados com fé até o altar onde aguardam santos e oferendas. Curvada coluna, joelhos dobrados, osso toca o chão. Entra o babalorixá que trás consigo uma bacia de metal cheia d´água cujo agradável perfume aos poucos toma o ambiente. Mal pousada no chão a bacia a moça mergulha o osso na água de cheiro. Limpa o osso do barro nele impregnado e de seu próprio sangue que o tingia. Oferece o osso ao céu. Ventania invade o local.
NOVA IMAGEM
Edifício inacabado. Cimento, concreto e metal visíveis. Um homem humilde, macacão sujo, mãos calejadas, respiração ruidosa. Pega alguns blocos e se aproxima do fosso do elevador e os atira calmamente buraco abaixo. Observa com cuidado o cair de cada um. Busca algumas ferramentas e repete a ação entregando-as ao buraco. Olhar firme para baixo. Um a um, todos os objetos vão sendo atirados buraco adentro. Por fim, solta-se a carriola. O ruído do metal nas paredes ecoa por todo edifício enquanto a respiração silencia.
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