Este foi um dos presentes que eu ganhei na semana passada, aquela semana mágica!
PROTOCOLO- Entre por essa porta agora e diga que me adora ou Como mudar a sua
vida em meia hora.
Tenho lembranças da minha
mãe dizendo que eu era uma delicia de vovó da chapeuzinho vermelho,"um
teatro divertidíssimo" disse ela falando da minha performance artística em
alguma festinha de aniversário na minha casa.Eu provavelmente beirava meus
quatro anos, e naquela idade, naquele
momento, eu podia ser tudo o que eu quisesse, até eu mesma. Tudo que eu
via ou tocava se transformava em
estimulo para eu construir o meu castelo
de sinestesias e descobertas.
O tempo foi passando e o
mundo foi mostrando que o "tudo" do mundo estava se fragmentando , se
despedaçando, agonizando na minha frente. E que esses cacos de mundo poderiam
me machucar, eles eram muitos feios e
cortantes, e só seria possível continuar nesse mundo se eu me recolhesse um
pouco, talvez um pouco mais, se secando, não deixando mais pedaços de mim mesma
espalhados, jogados pelo mundo.
Ou seja, cresci, fui pra
escola e descobri que as pessoas não querem
respostas emocionais de você, vivemos em um mundo onde o melhor que fazemos é nos tornarmos muito produtivos de preferência com um capuz, para que nada
nem ninguém rompa esse nosso altar que
conseguimos levantar com muito sangue e suor em função de manter ilesa
a nossa sanidade mental.
E de repente você se vê
não penetrada por nada, absolutamente, as coisas não te tangem e todos os
assuntos que te cercam você já tem uma
tese concebida e muito bem estruturada
para rebater, e ainda da por cima com gestos magníficos, confiantes. E você começa a acreditar que nada é novo
para você, que o mundo não vai mais te ensinar nada.
Mas continua sendo muito difícil não ser
penetrado.Você tem precisa fazer um puta esforço pra uma mão tremendo passar
ileso diante dos seus olho, ou um grito de esperança, uma música cantada em uníssono
não penetrarem seus ouvidos. Ou até ignorar um dedo quentinho que encontrou
exatamente o ponto nas suas costas, que doeu a semana inteira, e que agora é só
alivio.
Meu deus, como é difícil
não ser atravessado! Mas eu estava tentando não ser, doe demais se abrir, se
expor , falar em fraquezas, mostra aquela pinta, contar de um machucado,
questionar. E se eles acharem que eu sou uma mentira? E se eu for uma mentira
de fato?
Mas hoje não teve jeito.
Já no inicio do encontro
aconteceu uma explosão de inquietude e tudo que era mais precioso para o menino
do violão ele coloca na roda, ele mostra tudo pra gente e conta da sua
dificuldade com sua glândulas sudorípara em prantos. Ele me presenteou com o
seu ser mais intimo! E eu, me guardando toda, me recolhendo... Que
injusto!
E de repente pululavam
poesias, frases, contos, relatos, todos
haviam sido atravessados por aquele espetáculo
e estavam comungando daquele estado vivo e genuíno que o menino do violão tinha
se encontrado e nos colocado.
E esse era só o começo do encontro. No meio
das poesias eu pensei,” vou ter que recuperar aquele meu caderno de brochura
que eu escrevia uns suspiros de tristezas e umas descobertas que me acometiam
nos caminhos que eu passava”
Mas eu sabia que recuperá-lo
não ia ser uma tarefa fácil, porque pra escrever nele eu tinha que ser
atravessada por completo.
Recomeça as apresentações,
e o Varlei foi contar a sua história, e
um nada de atenção que eu prestasse nas
suas palavras já me remetia
àquele estado de encantamento que só é possível alcançar se você se
deixa ser atravessada. Pois é, tudo que ele dizia eu me questionava, eu
pensava, “mas caramba Varlei você tem lutar por melhor condição de trabalho”,
meu deus, “mas você fazia isso na hora do almoço, e o seu salário?” E a cada
questionamento, que me são muito caros, ele me apresentava o final daquela saga
e derrubava a minha aflição trazendo um
final de superação e esperança para as pessoas que ele apresentou as coisas
mais preciosas que ele tinha.
No final de cada projeto
que ele contava, ele dizia que tinha sido sucumbido pelo sistema e que já não
tinha forças para continuar!! Mas no momento da sua estada nessas escolas o seu
único caminho era resistir e tentar construir um caminho de sementes, para quem
sabe um dia elas florescerem, e floresceu, muito, ele fez uma floresta! Ele fez
a diferença!
Esse relato, e os outros que seguiram me colocaram em um estado de alerta, porque
boa parte das minhas crenças estavam sendo demolidas, naquele instante. O
Varlei lutou contra o sistema sozinho, ele fez fendas irreparáveis nessa
burocracia indigna.” Caramba, Varlei, o que eu faço agora?” Agora que eu sei que a luta tem que acontecer também no âmbito
do olho no olho.
Varlei na verdade, o
que eu preciso entender, com palavras
simples, é: como que eu construo um
trovador mirim bem grande e bem forte, para que ele possa combater os meus
discursos inflamados e retóricos, minha insegurança, para que ele construa uma
ponte encima do lago que mora o peixe vivo, para que este peixe me mostre que fazer a diferença é atravessar a ponte, acreditando
que no final dela existe uma cachoeira de labareda, e que do lado da cachoeira tem um moço muito
bonito de nome Welligton afirmando que eu posso entrar na cachoeira, tranqüila,
porque ela nunca vai queimar enquanto a gente não quiser que queime.
Enfim, eu quero ser
atravessada, eu desejo transformar em
meia hora, mesmo que todo esse sistema diga que isso não é possível. E por fim
eu queria que vocês soubessem que eu adoro entrar por aquela porta.
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